Guillaume Seignac


Assombro
Século de assombro - este século.
De violência em progresso.
E os outros séculos?
Cada ser ao sentir o peso do mundo
não terá dito: século de assombro?
O assombro seca a própria sombra
de tanto secar a existência:
Sequidão de corações e mentes
Secura de corpo nos ossos
Legião de cegos e de inaptos
Asfixia de túneis e masmorras
Mantos e esgares de hipocrisia
Sevícia para fins de anuência
Acúmulo de monstros e monturos
- Assombro à cunha.
Porém acima de qualquer assombro
aquele assombro vindo de antanho
para atravessar o século
de ponta a ponta - flecha escusa - e ser
perene assombro dos mortais
- a morte.
Henriqueta Lisboa
in A Pousada do Ser
http://br.geocities.com/edterranova/henriquetapoe.htm
Guillaume Seignac



Convite
Eu sou a amiga dos que sofrem.
Aproxima-te do meu coração, Amado.
Amado, conta-me teus segredos.
Onde nasceu a tristeza que nos teus olhos mora,
que causa tem a palidez que unge teus lábios
e esse tremor que tuas mãos comunicam às minhas?
Por que não vens, à hora confidencial do crepúsculo
sobre o banco de pedra esquecido entre árvores,
junto à fonte chorosa
e os afagos do vento perfumados de flores,
derramar no meu coração
as palavras reveladoras
que me fariam participar da tua amargura,
do teu desespero,
ou simplesmente do teu cansaço de viver?...
Quando desfalecesse a tua voz em sussurro
e o luar surgisse acariciando o céu em penumbra,
talvez, Amado, talvez sorrisses,
vendo aflorar nos meus olhos noturnos
a lua pequenina da lágrima.
Henriqueta Lisboa
– do livro: Prisioneira d a Noite (1935 – 1939)
http://br.geocities.com/edterranova/henriquetapoe.htm
Guillaume Seignac




Tuas palavras, Amor
Como são belas e misteriosas tuas palavras, Amor!
Eu não as tinha pressentido,
eu era como a terra sonolenta e exausta
sob a inclemência do céu carregado de nuvens,
quando, igual a uma chuva torrencial de verão,
tuas palavras caíram da altura em cheio
e se infiltraram nos meus tecidos.
O' a minha pletora de alegria!...
As árvores bracejaram recebendo as bátegas entre as ramas,
as corolas bailaram numa ostentação de taças repletas,
os frutos amadurecidos rolaram bêbedos no solo.
E eu vivi a minha hora máxima de lucidez e loucura
sob a chuva torrencial de verão!
Como são belas e misteriosas tuas palavras, Amor!...
Minha alma era um rochedo solitário no meio das ondas,
perdido de todas as cousas do mundo,
quando, ao passar dentro da noite na tua caravela fuga,
tu me enviaste a mensagem suprema da vida.
A tua saudação foi como um bando de alvoroçadas gaivotas
subindo pelas escarpas do rochedo, contornando-lhe as arestas,
aureolando-lhe os cumes.
E a minha alma esmoreceu ao luar dessa noite,
ilha branca da paz, num sonho acordado...
Amor, como são belas e misteriosas as tuas palavras!...
Henriqueta Lisboa
– do livro: Velário (1930 – 1935)
http://br.geocities.com/edterranova/henriquetapoe.htm
Guillaume Seignac



É Estranho
É estranho que, após o pranto
vertido em rios sobre os mares,
venha pousar-te no ombro
o pássaro das ilhas, ó náufrago.
É estranho que, depois das trevas
semeadas por sobre as valas,
teus sentidos se adelgacem
diante das clareiras, ó cego.
É estranho que, depois de morto,
rompidos os esteios da alma
e descaminhado o corpo,
homem, tenhas reino mais alto.
Henriqueta Lisboa
http://br.geocities.com/edterranova/henriquetapoe.htm