Anne Bachelier







Anne Bachelier







Soneto


Nem heróis como Ulisses e outros mais
Por mais sagazes e por mais divinos
Cheios de graça e louros peregrinos
Desafios provaram aos meus iguais.

Brilho desses olhos tão sensuais
Tanto inflamou meus sonhos femininos
Que para meus ardores repentinos
Não há remédio, se vós não m’o dais.

Ó dura sorte, que me faz igual
A quem pede socorro ao escorpião
Contra o veneno do mesmo animal.

Só peço que não me venha a fenecer
Esse desejo no meu coração
Porque, sem ele, é bem melhor morrer.


Louise Labé

Anne Bachelier









Quando te vejo, o rosto louro ornado
De lauréis verdes, tocar o alaúde,
E a te seguir forçar de modo rude
Árvores, pedras, quando coroado,

Te olho de dez mil virtudes cercado,
Erguendo a honra à maior altitude,
E dos demais ofuscar a virtude,
Meu coração pergunta apaixonado:

“Tantas virtudes te fazem amado,
Tantas te fazem ser tão estimado;
Não poderiam, pois, fazer-te amar?

E, acrescentando à virtude louvável,
Tua maneira de ser muito amável,
Meu doce amor ainda te inflamar?”


Louise Labé

Anne Bachelier








Beijai-me agora, e muito, e outra vez mais,
Dai-me um de vossos beijos saborosos,
E depois, dai-me um desses amorosos,
E eu pagarei com brasa o que me dais.

Com mais dez beijos longos, langorosos,
E assim, trocando afagos tão gostosos,
Gozemos um do outro, em calma e paz.

Eu viva em vós e vós vivendo em mim.
Deixai que vague, pois, meu pensamento:

Não dá prazer viver bem comportada;
Bem mais feliz me sinto, e contentada,
Quando cometo algum atrevimento.


Louise Labé

Anne Bachelier








Soneto II


Ó belos olhos, ó olhares cruzados,
Ó quentes ais, ó lágrimas roladas,
Ó negras noites em vão esperadas,
Ó dias claros em vão retornados!

Ó tristes queixas, ó anseios dobrados,
Ó tempo gasto, ó aflições passadas,
Ó mortes mil em redes mil jogadas,
Ó duros males contra mim lançados!

Ó riso, ó fronte, dedos, mãos e braços!
Ó alaúde, viola, arco e compassos:
Chamas demais para uma só mulher!

De ti me queixo: esses fogos que trago
No coração causaram muito estrago,
Mas não te queima um lampejo sequer.


Louise Labé

Anne Bachelier







Soneto IV


Desde que Amor cruel envenenou
O peito meu no fogo que fulmina,
Ardi-me sempre na fúria divina,
Meu coração jamais o abandonou.

Qualquer tormento, a que ele me obrigou,
Qualquer perigo e vindoura ruína,
Ou mau presságio que tudo termina,
Meu coração jamais se amedrontou.

Por mais que Amor nos ataque raivoso,
Mais nos obriga a vê-lo venturoso,
Sempre saudável ao vir combater.

Não é por isso que nos favorece,
Ele que os Deuses e os homens esquece,
Mas por mais forte aos fortes parecer.


Louise Labé

Anne Bachelier







SONETO V


Vênus tão clara, pelo firmamento,
Escuta a voz que em queixas cantará,
Enquanto o rosto teu cintilará,
O seu cansaço e custoso tormento.

Meu olho vela em vigília a contento,
E ao teu ver muito pranto verterá,
Sobre meu leito mole, e o banhará,
Disso teus olhos têm conhecimento.

Pois são luminosas as almas cansadas
Em seu repouso e sono apaixonadas.
Já não suporto o Sol e seu fulgor:

E quando estou quase toda desfeita.
E que meu corpo no leito se deita,
A noite toda eu choro a minha dor.


Louise Labé
tradução de Felipe Fortuna

Anne Bachelier







Soneto VIII


Eu vivo, eu morro; no fogo eu me afogo.
No calor sinto o frio que me perfura;
A vida é muito mole e muito dura.
Sinto fastios e alegrias logo.

Jorrando as lágrimas, o riso eu jogo,
E com prazer sofro muita amargura;
Meu bem se vai, mas eterno perdura;
Vicejo assim que me resseca o fogo.

Assim amor volúvel faz comigo;
E quando penso estar mais dolorida,
Sem mais pensar me vejo sem castigo.

Se penso estar feliz e sem perigo,

E estar bem no auge da sorte querida,
Ele me faz novamente sofrida.


Louise Labé

Anne Bachelier







SONETO XVIII


Beija mais, beija-me e torna a beijar
Dá-me um daqueles teus com mais sabor
Dá-me um daqueles teus com mais amor
Quentes qual tição quatro te vou dar

Cansado estás? Desse mal te refaço

Dez outros te darei, com que doçura!
Misturando nossos beijos de ternura
Gozemos um do outro neste abraço

Vida a dobrar cada um de nós terá
Em si cada qual e seu amigo viverá
Permite Amor perder-me em esta cisma

Sinto-me mal, vivo para dentro
E não sei como tirar contentamento
Se fora não sair de mim mesma.


Louise Labé
1524-1566

Anne Bachelier







Soneto XXIV


Não censureis, Damas, se tenho amado:
Ou se senti mil tochas abrasantes,
Fadigas mil, mil dores penetrantes.
Se por chorar vi meu tempo esgotado,

Ah! Que meu nome não seja acusado.
Se eu falhei, sofro as penas atuantes,
Não aguces os ferrões acirrantes:
Pensai que Amor, quando tiver chegado,

Sem vosso ardor de um Vulcano escusar
Sem a beleza de Adônis usar,
Vos tornará talvez mais amorosas.

Mesmo com menos do que eu tive então,
Será estranha e forte esta paixão.
E não sejais portanto desditosas.


Louise Labé

Anne Bachelier





O pensamento de Louise Labé


Parágrafo de uma carta enviada por Louise Labé para uma amiga, Mademoiselle Clemence de Bourges, em Lyon, em 24 de Julho de 1555, onde a "Bela Cordoeira" defende alguns de seus pontos de vista:



 “É chegado o tempo, Mademoiselle, em que as leis inflexíveis dos homens não mais impedirão as mulheres de se devotarem às ciências e disciplinas; parece-me que aquelas que forem capazes, irão empregar esta honrada liberdade, a qual nosso sexo outrora tanto desejava, em estudar estas coisas e mostrar aos homens o mal que causaram em nos privar do benefício e da honra que poderiam nos advir. E se alguém chega ao estágio no qual seja capaz de pôr suas idéias no papel, deveria fazê-lo com muito intelecto e não deveria desprezar a glória, mas adornar-se com ela antes do que com correntes, anéis e roupas suntuosas, as quais não podemos considerar realmente como nossas exceto pelo costume. Mas a honra que o conhecimento nos trará, não nos pode ser tomado – nem pela astúcia de um ladrão, nem pela violência de inimigos, nem pela duração do tempo." 

Anne Bachelier




Anne Bachelier


Metamorfose, transição e evolução formam os traços característicos da arte de Anne Bachelier. A artista conquista sua audiência com imagens instigantes e altamente imaginativas, que são originais, únicas, inventivas e imediatamente reconhecíveis. Suas fantasias metafísicas, como sonhos, evocam sentimentos ao mesmo tempo poderosos, pacíficos e protetores. Este outro mundo único, intocado pelo tempo ou lugar, lembra a eterna dança da transformação e regeneração. Uma técnica sofisticada, junto com uma visão artística, define suas apresentações de refinadas telas em arte figurativa, esculturas e grafismos originais. O simbolismo contemporâneo em seu ápice aparece nas tradições  da renascença italiana, art deco, art nouveau e movimentos simbolistas com uma ponta de surrealismo.
Seus personagens mostram arquétipos engajados em temas de grande importância e em grande escala. O espectador testemunha o desenrolar de um drama que evoca um mistério, como num sonho. Nascida em 1949 em Louvigne du Desert,na France, Bachelier estudou arte de 1966 a 1969 na École des Beaux-Arts, La Seyne-sur-Mer. Hoje, vive e trabalha em Grenoble, França.









“Não dá para viver bem-comportada; / Bem mais feliz me sinto, e contentada, / Quando cometo algum atrevimento.”
Louise Labé

“Não condeneis de maneira tão rude / Um jovem erro em minha juventude, / Se um erro foi: porém, quem sob o Céu / Se vangloria de jamais ser réu?”
Louise Labé



Louïze Charly Labé, poetisa francesa, nasceu em 1526 em Lyon, França e morreu em 15 de Fevereiro de 1566.
Filha de Pierre Charly, um rico cordoeiro, e de Étiennette Roybet, Louise recebeu uma educação refinada para a época, consistindo de latim, italiano, música, equitação e até mesmo esgrima. Bonita e independente, aos dezesseis anos (1542) disfarçou-se de homem e sob a alcunha de "capitão Loyz" acompanhou um de seus amantes ao cerco de Perpignan e chegou mesmo a tomar parte de combates. Anos depois, novamente travestida, participou de um torneio de esgrima em Lyon.
Em 1550 resolveu casar-se e desposou Ennemond Perrin, cordoeiro e rico como fora seu pai, de onde veio o apelido de "Bela Cordoeira". Em sua mansão, deu grandes recepções para a sociedade burguesa da época, e, com a morte do marido (por volta de 1560), voltou a ter inúmeras aventuras amorosas (embora, entre suas conquistas, seja conhecido apenas o nome do poeta Olivier de Magny).
A principal obra de Louise Labé é o Débat de Folie et d'Amour ("Debate da Loucura e do Amor"), de 1555, contendo 24 sonetos, e onde defende uma pauta "feminista": direito das mulheres à educação, à liberdade de pensamento e a escolha de parceiros. Seguem-se a eles as três Élégies ("Elegias"), no mesmo ano. As obras, que exprimem uma "paixão sensual e ardente", foram inspiradas no modelo da época, Petrarca, mas além do grande rigor formal, destacam-se dentre as obras contemporâneas por seu ardor, sua espontaneidade e pela sinceridade com que são expressos os sentimentos. Embora perseguida e repreendida por vários reacionários, ela foi saudada por seus colegas poetas da época como uma nova Safo, fama notável para uma poetisa com tão poucos trabalhos publicados.