Cristiane Campos







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Só há duas opções nesta VIDA:

se resignar ou se indignar.
E eu não vou me resignar nunca.

 DARCY RIBEIRO


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Cristiane Campos









Aquela


Minha amada é de carne, de pele e pêlo.
Ora é negra, ora é loura, ora é vermelha.
Minha amada é três. É trinta e três.
Minha amada é lisa, é crespa, é salgada, é doce.

Ela é flor, é fruto, é folha, é tronco.
Também é pão, é sal e manga-rosa.
Minha amada é cidade de ruas e pontes.
É jardim de arrancar flores pelo talo.

Ela é boazuda e é bela como uma fera.
Minha amada é lúbrica, é casta, é catinguenta.
Minha amada tem bocas e bocas de sorver,
de sugar, de espremer, de comer.

Minha amada é funda, latifúndia.
Minha amada é ela, aquela que não vem.
Ainda não veio, nunca veio, ainda não.
Mas virá, ora se virá. A diaba me virá.



DARCY RIBEIRO

Cristiane Campos









AMOR


Quero um amor alucinado, depravado, tarado.
Amor inteiro, de corpo-a-corpo, enlaçados.
Amor sem reserva, que a tudo se entrega, lancinante.

Quero você assim, abrasada, pedindo gozo,
Eriçada, ronronando feito gata, tesuda.
Seus seios túmidos, me furando o peito.

Quero você, pentelho contra pentelho, roçantes.
Carne encravada na carne. Bocas coladas,
Babadas, meladas, sangrando sufocadas.

Quero amar você tão bichalmente que urremos.
Eu, penetrando rasgando. Você me comendo furiosa.
Nós dois fundidos, unidos, soldados.

Você e eu, nós dois, sós, neste mundo dos outros.



DARCY RIBEIRO

Cristiane Campos









LASSA


Tesão — força que move a vida.
Na plenitude, é felicidade pura.
Na carência, é dor que dói.

Ó gozo de ver, admirar, acariciando.
Ò gozo de abraçar, beijar, bolinando
Ó supremo gozo de meter, possuir, penetrando,
na divina convulsão rítmica do coito.

Ficar lá dentro abismado, apertado.
Sentindo o grelo tremer de gozo.
O sacro canal melar, enlanguescer.
Vendo você se aquietar, lassa.
Tudo, afinal, uma tremura arrepiada.


DARCY RIBEIRO

Cristiane Campos






A INDESEJADA


Aí estão eles, os da terceira idade.
Gregários, vivem aos bandos.
Sentados, jogando cartas, andando devagar.
Conversando pretéritos assuntos.
Olhando tristes os outros viverem.

Antigamente, todos seriam avós, vovozinhos.
Hoje, são sogros, os chatos dos sogros.
Uns são viúvos, outros largados, poucos.
Muitos deles, os mais, ainda casados.
As mulheres duram demais.

Órfãos de seus filhos, ocupadíssimos.
Não reclamam, resmungam disfarçados.
Estão todos aflitos, na espera
Da indesejada, que tarda.
Tarda, é certo, mas virá. Inexorável.


DARCY RIBEIRO

Cristiane Campos







IDOS SIDOS


Que é que fiz, não fiz, de mim?
Que é que fiz na vida, da vida?
Quem sou eu? Esse eu que me sou.

Minhas mãos me pendem soltas.
Inúteis para fazimentos.
Só servem para escrever, acarinhar.

Não sei dançar, nunca soube.
Olho, idiota, o céu estrelado.
Não conheço estrela nenhuma.

As árvores, tantíssimas, que vi.
Recordo inumeráveis, enormíssimas,
Não sei quem são.

Diante das flores me extasio.
Tolo, só reconheço rosas, orquídeas, cravos.
A música clássica me atordoa, cansa.

Quem sou eu, septuagenário,
Que esgoto meu tempo de me ser aqui?
Insciente, perplexo, inexplicado.

Só cheio de saudades de mim.
De tantos eus que fui. Sidos. Idos.
Somos descartáveis, sei, mas dói.


DARCY RIBEIRO

Cristiane Campos







Nessa casona, hoje, um homem espera a Morte.
Eu. Nem homem sou.
Sou é um des-homem,
de punhos atados,
de dentes cerrados,
de pernas peadas,
aos pés do Senhor!
Quanta coisa boa!
Mas devo respeitar o espaço, e só tenho tempo de falar de Emilinha,
uma gostosura de poema e de figura:
Emilinha não era desse mundo.
Ou era, demais da conta.
Safada de nascença.
Nela havia o sumo de dez,
de cem mulheres
muito fêmeas.
Tanto que extravasava,
sopitava em cheiros e barbas.
Suspiros e choros.
Era uma força viva,
selvagem como esses bichos silvestres.
Emilinha me fez homem
como jamais fui antes nem depois.
parecia até feitiço.
Eu e ela inesgotáveis...
Vi por fim,
me convenci,
de que Lea me vencia,
me amofinava.

Era mulher demais para um homem só.
Eu não podia com a mulinha!



DARCY RIBEIRO

Cristiane Campos









Ele sentava na ponta do banco, comendo no prato com a mão,
fazendo capitão e me escutando.
Lindo, quando ele fala de Benedito Gomes:
Chamei o compadre Benedito.
homem de sabedoria,
para ver se descobria
e me explicava a causa de tanto urubu
Não sabia! Ótimo quando se vê como o mulo:
Aquele sim, é o homem
que eu sou,
inteiro. Cabal.
Sossegado, Valente
Realizado.
Contente.
Isso tudo, sem saber.
Inocente


DARCY RIBEIRO

Cristiane Campos









MIM


O tempo transcorre em mim
Celeremente. Tão afoito que finda.
Acho que sei, afinal, a que vim.
E já me vou. Uma pena.
Não há tempo mais pra mim.
Volto à silente matéria cósmica
Que em mim, um dia, se organizou
Para me ser. Uma vez, uma vez somente.


DARCY RIBEIRO

Cristiane Campos







EXÍLIO



Hoje, sonhei que estava lá
Lá pr'além dos Andes
Lá, longe dos meus,
Naquela fria, alheia, terra estrangeira.


Não estava lá por livre escolha minha.
Estava proscrito, exilado
Botado fora. Desterrado por vontade alheia.
Mas nunca saí de mim, daqui.



Todo tempo, eu sabia, me doía saber
Que assaltaram minha Pátria,
M'a roubaram. Cidadão sou de Pátria proibida.
Errando mundo afora, em pátrias alheias.



Nesta dor da Terra ausente, consolava
Levá-la no peito, gemendo, noite e dia,
Gastando meu escasso tempo de viver
Nesta agonia arfante de saudade.


Darcy Ribeiro

Cristiane Campos









"Nós, brasileiros, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos viveu por séculos sem consciência de si... Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros..." 


Darcy Ribeiro,
em O Povo Brasileiro

Cristiane Campos



Cristiane Campos é paranaense, artista autodidata, já participou de exposições em vários Estados do Brasil, em Portugal, Itália e França.

Sou uma artista plástica autodidata, com tendência ao figurativismo. Hoje me sinto artista, porque aprendi a buscar em minha essência de ser, todas as futilidades e maravilhas que vivem enrustidas em nosso âmago, e que a verdadeira arte ensina a ser arrancada das entranhas e transformada em pura imagem filosófica do ser.
Sempre trouxe a arte dentro de mim, e sozinha aprendi a desenvolver técnicas, pesquisar materiais e resultados, mas não estava satisfeita, faltava alguma coisa muito importante, que não permitia que eu me sentisse artista, e com muita dor, percebi que meu trabalho não tinha alma, era apenas técnico, e limitado, bonito, mas sem expressão, sem temática sem filosofia.
O processo de busca de um artista é um caminho difícil. Foi um processo longo e dolorido, mas que trouxe-me a maturidade artística que faltava ao meu trabalho. Aprendi a conviver com o meu inconsciente, e a não racionalizar a arte, e principalmente aprendi que ainda tenho muito a aprender, e que só serei completamente artista, quando conseguir transformar meu aprendizado em ensinamentos, trazendo as pessoas uma consciência do que é a arte, de como ela esta envolvida em cada momento de nossas vidas.”. (Cristiane Campos)

"A FORÇA DO INCONCIENTE, TEM A GRANDEZA DE NOS DESPERTAR PARA A REALIDADE, AFASTA OS NOSSOS MEDOS E REVELA A NOSSA ARTE. AO LIDARMOS COM ESSA REALIDADE, SENTIMOS O PESO DA RESPONSABILIDADE EM TRADUZIR ESTA ARTE AO MUNDO. ESTE É UM PAPEL QUE MUITAS VEZES NOS OPRIME, MAS UMA VEZ ENCONTRADA A FORÇA NECESSÁRIA, NOS DESCOBRIMOS CAPAZES DE TOCAR NOSSOS SEMELHANTES."

Cristiane Campos










“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”

Darcy Ribeiro


Era filho de Reginaldo Ribeiro dos Santos e de Josefina Augusta da Silveira. Em Montes Claros fez os estudos fundamentais e secundário, no Grupo Escolar Gonçalves Chaves e no Ginásio Episcopal de Montes Claros.
Notabilizou-se fundamentalmente por trabalhos desenvolvidos nas áreas de educação, sociologia e antropologia tendo sido, ao lado do amigo a quem admirava Anísio Teixeira, um dos responsáveis pela criação da Universidade de Brasília, elaborada no início dos anos sessenta, ficando também na história desta instituição por ter sido seu primeiro reitor. Também foi o idealizador da Universidade Estadual do Norte Fluminense. Publicou vários livros, vários deles sobre os povos indígenas.
Durante o primeiro governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro (1983-1987), Darcy Ribeiro criou, planejou e dirigiu a implantação dos Centros Integrados de Ensino Público (CIEP), um projeto pedagógico visionário e revolucionário no Brasil de assistência em tempo integral a crianças, incluindo atividades recreativas e culturais para além do ensino formal - dando concretude aos projetos idealizados décadas antes por Anísio. Muito antes dos políticos de direita incorporarem o discurso referente à importância da Educação para o desenvolvimento brasileiro, Darcy e Brizola já divulgavam estas idéias.
Nas eleições de 1986, Darcy foi candidato ao governo fluminense pelo PDT concorrendo com Fernando Gabeira (então filiado ao PT), Agnaldo Timóteo (PDS) e Moreira Franco (PMDB). Darcy foi derrotado, não conseguindo suplantar o favoritismo de Moreira que se elegeu graças à popularidade do recém lançado Plano Cruzado. Darcy Ribeiro também foi ministro-chefe da Casa Civil do presidente João Goulart, vice-governador do Rio de Janeiro de 1983 a 1987 e exerceu o mandato de senador pelo Rio de Janeiro, de 1991 até sua morte - anunciada por um lento processo canceroso, que comoveu todo o Brasil em torno de sua figura: Darcy, sempre polêmico e ardoroso defensor de suas idéias, teve em sua longa agonia o reconhecimento e admiração até dos adversários.
Poucos anos antes de falecer, publica O Povo Brasileiro, obra na qual, dentre outras impressões, Ribeiro relativiza a suposta ineficiência portuguesa.



"Eu não tenho medo da morte. A morte é apagar-se, como apagar a luz. Presente, passado e futuro? Tolice. Não existem. A vida vai se construindo e destruindo. O que vai ficando para trás com o passado é a morte. O que está vivo vai adiante”

Darcy Ribeiro

“Termino esta minha vida já exausto de viver, mas querendo mais vida, mais amor, mais saber, mais travessuras.”


Darcy Ribeiro