Jake Baddeley

Jake Baddeley








Boto


As virgens das margens deste rio
Trazem pérolas nos seios,
Sândalo nos cabelos, na tez o cio,
Presto atavio.

Ditam o ritmo do poema,
Capturam devaneios,
Instigam, hidratam anseios,
Embrulham rima num dilema.

As águas desenham arabescos,
Reviram azul no cor-de-rosa,
Mostram tintura fogosa,
Ressonância de dança e capricho.

Um boto tange as ondas da sinfonia,
Desnuda o ventre da ribeira,
Varre vagas com as nadadeiras,
Rouba magia da Iara.

Exibe peitorais robustos,
Coxas torneadas, olhos astutos.
Abre as portas da orgia...
Tudo é truque das águas.


Stella de Sanctis

Jake Baddeley








Dama do quadro


No quadro os verdes olhos absurdos,
Perfil perfeito peito acima, dorso desnudo
Riscado por fios de cobre em cachos,
Revoltos nuca abaixo quais laços desfiados.

Do entreaberto róseo dos lábios
O silêncio mortificado, o sonho esperado
Pisado nas calçadas enegrecidas...
Chama d’alma inflama dama!

Nem se nota o fundo enriquecido,
Tinta à óleo secada em preparado
De um cenário coadjuvante,
Que avante vão olhos desesperados!

Rompendo presente e passado,
A implorar o futuro num quadro,
Ficam pupilas, meninas ansiosas,
Abertas feito rosas...


Stella de Sanctis

Jake Baddeley








Das asas.


Meio ao tino do silêncio infecundo,
     Espanto entre mar e cordilheiras.
Vaza pranto na secura das encostas,
Consume noites de nuvens passageiras.

Olhos fixos nos ícones estilhaçados:
Alegorias pregadas entre altar e lama.
Na mágoa santa a verdade imunda,
Cisterna de águas poluídas.

Acústica da rendição me assalta,
Atroz, indecorosa nota alta.
Na chama incauta dos fogos fátuos,
Remorso zomba em falso contralto.

Calo a pele nos limos dormentes,
Meu céu um abismo repente:
Sorve luz, sons, vertentes.

Recolhidos, os sonhos urgem,
Atritam-se, parem brasas.
Efêmero poço, o negro...
De onde sobem asas.


Stella de Sanctis

Jake Baddeley











Visitei o senhor das horas na noite do fim do mundo.
Troquei o corcel preto por um Pégaso sisudo.
Cavalguei entre pesares profundos,
Tentando queimar pergaminhos de tempos absurdos,
Resgatar velhos sopros interrompidos.
Que insensatez, disse-me o irado Cronos,
Tudo é parte de um arquivo único:
O fim é o começo de tudo...
É noite, coração encarvoado, é noite ainda!
Não te vistas de ouro, chora a serenata,
Que o tempo é muito longo e curvo pra tanto nada...
Um sol desponta no fim da noite acirrada.


Stella de Sanctis

Jake Baddeley








Transcendência


O amor não tem piedade, nem fronteira,
Mastiga o verbo, engole e regurgita,
Apunhala e ressuscita.
Sacode o cosmos com gemidos,
Cria o próprio vernáculo, inventa:
Entoa seus bemóis e sustenidos. 

Na nudez de um madrigal felino
Ecoa na pele qual violino.
Mostra metáforas como cicatrizes,
Rasga alma, expõe as vísceras.
Seu codinome, em sementes vorazes,
Sorve água na espera, transpõe a terra.

Extrapola evidências, incorpora segredos,
Morre do que vive, sobrevive no tormento.
Lágrima e sorriso, corte e ungüento.
Sangue, sêmem, vida, movimento.
Transcende razão e alfabeto... 
Nem lhe basta a língua dos anjos.


Stella de Sanctis
 

Jake Baddeley









Olhos de espelho


Aonde a chave da porta dos tesouros?
Em que poço, em que charco, em que mar?
Aonde a melodia que traz anjos e demônios?
Em que altar?...

Teu vulto torce-me o pensamento,
Pousa ao vento gotas de luar.
Teus cacos cravam-se no meu lombo,
Alternam náusea e frêmito à boca tonta.

A picada na carótida prenuncia ilusão.
O gênio se dissolve na eternidade dos instantes.
Olhos de espelho a refletir certo o impossível;
Sombra espiã, terrível, irresumível...

A chave da porta dos tesouros
Na sanha do meu peito chagado de luta.
A melodia acorda anjos e demônios
No teu olhar que tange ondas infinitas.


    Stella de Sanctis

Jake Baddeley








Aderências


Lembranças forram o telhado,
Varrem a casa da monotonia.
... Em caracol de ardências,
Efeitos-causas colam-se em minhas vigas-mestras,
Fogos súbitos assombram-me as colunas.
Embuste de luzais trazidos nos ombros do destino?

Extrapolam-me o peito, dançam pela sala,
Nem me adianta apunhalá-las,
Se, lá fora, a borra da hora madura
Emana sinergia tua:
Efeméride prateada na amurada,
Restos de orgasmos nos varais.

Vale-me o lume de aderências...
Nem todas as noites são escuras.


Stella de Sanctis

Jake Baddeley








Fado


O verso bóia em águas aturdidas,
Do limo vivo aos cachos de memórias.
Mágoa e nostalgia, quem não as teve?
À sina do olhar a tonalidade alegórica
Dos consumidos uivos do passado.

Entre estrelas loucas repousado,
Quem tivesse o impossível agregado
Vazando-lhe dos dedos desavisados,
Não represaria o tempo, inconformado?

Quem tivesse o amor amordaçado,
Triturado em mó de pedra maculada,
Não vestiria o seu script
De um adeus mal acenado?

Quem não deitaria ao relento
O olor cáustico da revolta recolhida?
Quem não afogaria o coração transtornado
Nas quadras ácidas da noite grávida de silêncio?


Stella de Sanctis

Jake Baddeley






Exílio


Alisando fio de orgulho nos olhos de águia,
Emergida da solidão, escotilha escancarada,
Vislumbro o porto do exílio na enseada.
De nada adianta o canto da montanha,
Nos lábios feridos por espinhos dispersos,
Da última explosão de versos?...

Sou dos gumes dos punhais sangrentos:
Firo e corto!
Não importa o rastro, o lastro,
O mastro é panteão de ilusão, furacão.
Meu corpo é caule de arrasto,
Mistério atravessado, entalhe de perdição.

Minha arribação vem das aves de rapina,
Das cobras caninanas, das suçuaranas,
De riba das tempestades sulinas,
Das fêmeas felinas, das bailarinas
Que dançam a flor na língua libertina.

Quero o alto das pedreiras, que as pedras,
Companheiras, não saem do chão,
Mas gritam meus versos, sem boca,
Deixando um perfume vilão
No céu de seda que beija ondas e docas
De graça...


Stella de Sanctis

Jake Baddeley







Abordagem


Mãos sangradas de dilacerar cactos
Teciam poesia pra despertar a pele fria.
Caracóis dos cabelos repartidos
Pingavam parca luz acobreada
Sobre ardósia do terraço anoitecido.

Espelho refletia o vento que levava feno,
Tentando evaporar a lua.
Escorrida das palavras, cera rutilante
Acendeu-me um terceiro sol nos olhos,
Acomodando verdes milenares
Na soleira da face, nas marquises do espírito.

Meio às claves harmônicas de Jobim,
Em mim, nuvens em ebulição e o verbo,
Um grito dentro, semente in flama.
E já o dia me esperava num porto esmeralda,
Pra dividir o fogo santo com meu canto,
Até que o amor me descobrisse.


Stella de Sanctis

Jake Baddeley



Jake Baddeley
Jake Baddeley revela um treinamento clássico e influências do realismo e realismo mágico, em conjunto com uma fascinação pela arte e invenção da Renascença. Ele utiliza uma paleta controlada, com pinceladas de cores limitadas, porém ricas e suas composições frequentemente revelam um sentido de uma mesa deliberadamente organizada, com questões apresentadas e dicas de significados espalhados pelos objetos. Com frequência há objetos flutuando, seja em movimento congelado ou desafiando a gravidade, e repetidos temas de máscaras, vendas e cortinas, sugerindo significados subliminares.







Fractal


Teu olhar de sol veste-me o corpo
Com chamas cintilando beijos.
Não há bruma que não ceda
Aos raios dos nossos desejos.

Não há noite esfumaçada
Na minh’alma incendiada
E flores distraídas tingem
O tempo de passagem.

Cantiga na brisa breve,
Suaves luzais enfeitiçados
Escorrem magia revelada
Na pele constelada.

Lúdicos tons multicoloridos
Enlouquecem, agradecidos.
Inventam transmutações
À cata de sensações.

Do fractal oferecido
Absorvo plexo.
Teu o meu reflexo...
Minh’alma, do teu sol,
Enluarada!


Stella de Sanctis




Biografia,

Stella Maris de Sanctis (assina seus escritos como Stella de Sanctis), nascida e criada em Campinas - SP, formada em Biologia pela PUCC -Pontifícia Universidade Católica de Campinas-, é docente de Biologia, com passagem pela coordenação pedagógica, autora de peças teatrais infanto-juvenís ( algumas encenadas: Santuário, Ouro Azul, Droga: A Barca para o Inferno, Paralelo Brasil-Japão), autora do livro "Roteiro das Cores - Poética", com lançamento do segundo livro ,"O Fogo das Palavras", previsto para final de março deste ano, juntamente com a segunda edição de "Roteiro das Cores", ambos pela editora Nelpa.