Valentin Rusin






Valentin Rusin










Vamos fazer uma coisa:
escreva cartas doces e azedas
Abre a boca, deusa
Aquela solenidade destransando leve
Linhas cruzando: as mulheres gostam
de provocação
Saboreando o privilégio
seu livro solta as folhas
Aí então ela percebeu que seu olho corria
veloz pelo museu e só parava em três,
desprezando como uma ignorante os outros
grandes. E ficou feliz e muito certa com a
volúpia da sua ignorância. Só e sempre procura
essas frases soltas no seu livro que conta história
que não pode ser contada.
Só tem caprichos
É mais e mais diária
– e não se perde no meio de tanta e tamanha
companhia.


Ana Cristina Cesar



Valentin Rusin










Nada, Esta Espuma


Por afrontamento do desejo
insisto na maldade de escrever
mas não sei se a deusa sobe à superfície
ou apenas me castiga com seus uivos.
Da amurada deste barco 
quero tanto os seios da sereia.


ANA CRISTINA CESAR


Valentin Rusin









Aventura na Casa Atarracada


Movido contraditoriamente
por desejo e ironia
não disse mas soltou,
numa noite fria,
aparentemente desalmado;
- Te pego lá na esquina,
na palpitação da jugular,
com soro de verdade e meia,
bem na veia, e cimento armado
para o primeiro a andar.
Ao que ela teria contestado, não,
desconversado, na beira do andaime
ainda a descoberto: - Eu também,
preciso de alguém que só me ame.
Pura preguiça, não se movia nem um passo.
Bem se sabe que ali ela não presta.
E ficaram assim, por mais de hora, 
a tomar chá, quase na borda,
olhos nos olhos, e quase testa a testa.


ANA CRISTINA CESAR

Valentin Rusin








é muito claro
amor
bateu
para ficar

nesta varanda descoberta
a anoitecer sobre a cidade
em construção
sobre a pequena constrição
no teu peito
angústia de felicidade
luzes de automóveis
riscando o tempo 
canteiros de obras
em repouso
recuo súbito da trama


ANA CRISTINA CESAR

Valentin Rusin








Quando entre nós só havia
uma carta certa
a correspondência
completa
o trem os trilhos
a janela aberta
uma certa paisagem
sem pedras ou
sobressaltos
meu salto alto
em equilíbrio
o copo d’água 
a espera do café


ANA CRISTINA CESAR

Valentin Rusin







Encontro de Assombrar na Catedral


Frente a frente, derramando enfim todas as
palavras, dizemos, com os olhos, do silêncio que
não é mudez.
E não toma medo desta alta compadecida
passional, desta crueldade intensa que te
toma as duas mãos.


ANA CRISTINA CESAR


Valentin Rusin









A Ponto de Partir
 

A ponto de
partir, já sei
que nossos olhos
sorriam para sempre
na distância.
Parece pouco?
Chão de sal grosso, e ouro que se racha.
A ponto de partir, já sei que nossos olhos sorriem na distância.
Lentes escuríssimas sob os pilotis.


ANA CRISTINA CESAR



Valentin Rusin










Um Beijo


que tivesse um blue.
isto é
imitasse feliz
a delicadeza, a sua,
assim como um tropeço
que mergulha surdamente
no reino expresso
do prazer
Espio sem um ai
as evoluções do teu confronto
à minha sombra
desde a escolha
debruçada no menu;
um peixe grelhado
um namorado
uma água
sem gás
de decolagem:
leitor ensurdecido
talvez embevecido
"ao sucesso"
diria meu censor
"à escuta"
diria meu amor
sempre em blue
mas era um blue
feliz
indagando só
"what's new"
uma questão
matriz
desenhada a giz
entre um beijo
e a renúncia intuída
de outro beijo.


ANA CRISTINA CESAR

Valentin Rusin









Deus na Antecâmara


Mereço (merecemos, meretrizes)
perdão (perdoai-nos, patres conscripti)
socorro (correi, valei-nos, santos perdidos)


Eu quero me livrar desta poesia infecta
beijar mãos sem elos sem tinturas
consciências soltas pelos ventos
desatando o culto das antecedências
sem medo de dedos de dados de dúvidas
em prontidão sangüinária


(sangue e amor se aconchegando
hora atrás de hora)


Eu quero pensar ao apalpar
eu quero dizer ao conviver
eu quero partir ao repartir
filho
pai
e
fogo
DE-LI-BE-RA-DA-MEN-TE

abertos ao tudo inteiro
maiores que o todo nosso
em nós (com a gente) se dando


HOMEM: ACORDA!



ANA CRISTINA CESAR