Brita Seifert






Os cinco sentidos


São belas - bem o sei, essas estrelas
Mil cores - divinais têm essas flores;
Mas eu não tenho amor, olho para elas;
Em toda a natureza
Não vejo outra beleza
Senão a ti - a ti!

Divina - ai! sim, será a voz que afina
Saudosa - na ramagem densa, umbrosa.
Será; mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia
Senão a ti - a ti!

Respira - naura que entre as flores gira,
Celeste - incenso de perfume agreste.
Sei... não sinto: minha alma não aspira,
Não percebe, não toma
Senão o doce aroma
Que vem de ti - de ti!

Formosos - são os pomos saborosos,
É um mimo - de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede... sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão... mas é de beijos,
E só de ti - de ti!


Macia - deve a relva luzidia
Do leito - se por certo em que me deito;
Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
Sentir outras carícias,
Tocar noutras delícias
Senão em ti - em ti!

A ti! ai, a ti só os meus sentidos
Todos num confundidos,
Sentem, ouvem, respiram;
Em ti, por ti deliram.
Em ti a minha sorte,
A minha vida em ti;
E quando venha a morte,
Será morrer por ti. 




Almeida Garrett


Brita Seifert

 

  

  

  

  

  

  

 
Barca Bela


Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela.
Que é tão bela,
Oh pescador?


Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!


Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Oh pescador!


Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela,
Só de vê-la,
Oh pescador.


Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela
Foge dela
Oh pescador!



Almeida Garrett

Brita Seifert

 
 
Declaração do artista Brita Seifert

"É difícil para mim discutir meu próprio trabalho; como a caligrafia, é algo que, a esta altura, é simplesmente uma parte de mim.
 "As pessoas sempre me perguntam: O que te inspira a pintar? “ou” Qual é o significado de suas pinturas?
“Bem, meu trabalho é em grande parte inspirado pela música, viagens e experiências pessoais. Cada pintura pode colocá-lo em outro mundo, no meio de uma história, ou simplesmente ser a expressão em símbolos dos meus sentimentos.
 As cenas no meu trabalho acontecem no crepúsculo da manhã ou nos últimos raios da noite, a fronteira entre o dia e a noite, dormir e acordar, esfumaçando a distinção entre a realidade e os fantasmas da imaginação.
Eu quero convidar o espectador para um mundo que é ao mesmo tempo familiar e desconhecido, o mundo do inconsciente e as paisagens do sonho, onde há um alegre desrespeito das leis da realidade cotidiana, e onde as imagens podem ser carregadas com um significado subjetivo que permanece enigmático e meio apenas compreendido.
 As pessoas nas minhas pinturas são principalmente um símbolo para mim e refletem - claro! - todo o meu poder e também toda a minha fraqueza. Mas, acima de tudo: calor emocional, a paixão pela vida e intensidade. E às vezes eles são embaixadores de amor e honestidade, de tolerância e abertura”.
Brita Seifert
Contato
Brita Seifert
“De Lombardije” – Lindanusstraat
6041 HA Roermond / Holanda
Telefone: +31 – (0) 475786019

  

 

 

 

 

 

Anjo És!


Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve a mulher,
Jamais o há-de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher.


Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua fronte anuviada
Não vejo a c'roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d'amor.
Teus olhos têm negra a cor,
Cor de noite sem estrela;
A chama é vivaz e é bela,
Mas luz não tem. – Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste
De Jeová ou Belzebu?

Não respondes- e em teus braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado estreito!...
Isto que me cai no peito
Que foi?...-Lágrimas?-Escaldou-me...
Queima, abrasa úlcera... Dou-me,
Dou-me a ti, anjo maldito,
Que este ardor que me devora
É já fogo de precito,
Fogo eterno, que em má hora
Trouxeste de lá... De onde?
Em que mistérios se escondem
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu ou és mulher?

Almeida Garrett

João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett nasceu no Porto a 4 de Fevereiro de 1799. No período de sua adolescência foi viver para os Açores, na Ilha Terceira, quando as tropas francesas de Napoleão Bonaparte invadiram Portugal e onde era instruído pelo tio, D. Alexandre, bispo de Angra. Foi também aí que engravidou sua companheira Luisa Castelo. De seguida, em 1816 foi para Coimbra, onde acabou por se matricular no curso de Direito. Em 1821 publicou O Retrato de Vénus, trabalho que fez com que lhe pusessem um processo por ser considerado materialista ateu e imoral. É também neste ano que ele e sua família passam a usar o apelido de Almeida Garrett.
Após o golpe de 1822, no qual o liberalismo foi derrotado, Garret partiu para o exílio na Inglaterra, de onde regressou somente em 1826. Durante o exílio Garret, influenciado pelas obras de Walter Scott e Lord Byron, compôs os poemas "Camões" e "Dona Branca". Essas obras foram publicadas em 1824 e são consideradas o marco inicial do Romantismo em Portugal.
Garret voltou a Portugal em 1832 integrando o exército de D. Pedro no cerco à cidade do Porto. Entre 1833 e 1836, foi cônsul geral na Bélgica.
Após a Revolução de Setembro foi encarregado de organizar um plano de um teatro nacional, que veio a promover.
Em 1851 recebeu o título de Visconde de Almeida Garrett. Da sua vasta obra literária destacam-se a peça de teatro "Frei Luís de Sousa" (1844), o romance "Viagens da Minha Terra" (1846) e a coletânea de poemas líricos "Folhas Caídas" (1853).


Brita Seifert

 

  

  

  

  

  

  


 
Rosa e Lírio


A rosa
É formosa
Bem sei.
Porque lhe chamam – flor
D'amor,
Não sei.

A flor,
Bem de amor
É o lírio;
Tem mel no aroma, – dor
Na cor
O lírio.

Se o cheiro
É fagueiro
Na rosa;
Se é de beleza – mor
Primor
A rosa:

No lírio
O martírio
Que é meu
Pintado vejo: – cor
E ardor
É o meu.

A rosa
É formosa,
Bem sei...
E será de outros flor
D'amor...
Não sei.


Almeida Garrett


Brita Seifert

 

  

  

  

  

  

  


Gozo e dor
 
 
Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
Não. Ai não; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso de gozo é dor.
 
Dói-me alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.
 
É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida ou a razão.
 
 
Almeida Garrett

Brita Seifert

 

  

  

  
  
 

 

NÃO TE AMO
 
 
Não te amo, quero-te: o amar vem d'alma.
E eu n'alma --- tenho a calma,
A calma --- do jazigo.
Ai! não te amo, não.
 
Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida --- nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!
 
Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.
 
Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?
 
E quero-te, e não te amo que é forçado,
De mau feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.
 
E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.
 
 
Almeida Garrett


Brita Seifert

 

  

  

  

  

Seus Olhos


Seus olhos --- se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou ---
Não tinham luz de brilhar.
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.


Divino, eterno! --- e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, num só momento que a vi,
Queimar toda alma senti...
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.


Almeida Garrett


Brita Seifert

 

  

  

  
  
  
  

 
Este inferno de amar


Este inferno de amar – como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é vida – e que a vida destrói.
Como é que se veio atear,
Quando – ai se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… foi um sonho.
Em que a paz tão serena a dormi!
Oh! Que doce era aquele olhar…
Quem me veio, ai de mim! Despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… Dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? Eu que fiz? Não o sei;
Mas nessa hora a viver comecei…


Almeida Garrett


Brita Seifert


 

  

  

 

  

 

Ignoto Deo

D.D.D.


Creio em ti, Deus: a fé viva
De minha alma a ti se eleva
És: - o que és não sei. Deriva
Meu ser do teu: luz... e treva,
Em que - indistintas! - se envolve
Este espírito agitado,
De ti vem, a ti devolve.
O nada, a que foi roubado
Pelo sopro criador
Tudo o mais, o há-de tragar.
Só vive de eterno ardor
O que está sempre a aspirar
Ao infinito donde veio
Beleza és tu, luz és tu.
Verdade és tu só. Não creio
Senão em ti; o olho nu
Do homem não vê na terra
Mais que a dúvida, a incerteza,
A forma que engana e erra.
Essência! a real beleza,
O puro amor - o prazer
Que não fatiga e não gasta...
Só por ti os pode ver
O que inspirando se afasta,
Ignoto Deo, das ronceiras,
Vulgares turbas: despidos
Das coisas vãs e grosseiras
Sua alma, razão, sentidos,
A ti se dão, em ti vida,
E por ti vida tem. Eu consagrado
A teu altar, me prostro e a combatida
Existência aqui ponho, aqui votado
Fica este livro - confissão sincera
Da alma que a ti voou e em ti só espera.


Almeida Garrett