Edvard Munch




"[...] Suprema constelação do ser!

Mesa das visões eternas!

És tu que vens a mim? –

O que ninguém viu,

a tua muda beleza. –

como é que ela não foge diante dos meus olhares?

Símbolo da necessidade!

Mesa das visões eternas!

Mas tu sabê-lo bem:

o que todos odeiam,

o que eu sou o único a amar,

sabes bem que és eterna!

que és necessária!

O meu amor não se inflama,

eternamente, senão com a necessidade.

Símbolo da necessidade!

Constelação suprema do ser!

que nenhum voto pode atingir,

que nenhuma negação macula,

eterna afirmação do ser,

eternamente sou a tua afirmação:

porque te amo, ó eternidade!"



Ditirambos Dionisíacos, extraído do livro Nietzsche,

de Gilles Deleuze, pág. 79.


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Edvard Munch









Introdução à filosofia de Nietzsche


Escritos de Amauri Ferreira




Durante o nosso percurso existencial, a maior de todas as tarefas, “tornar-se o que se é”, é invertida pela moral através do “tornar-se o que os outros querem”. Tornar-se o que a moral quer é tornar-se uma ovelha obediente, que abandona a si mesma para honrar os seus compromissos com o social. E qual social? O dos parasitas. Diz Nietzsche: “Olhando em torno com maior cuidado, descobri que existe o mesmo infortúnio para um grande número de jovens”. Jovens que nem se deram conta de que não há caminho a seguir, a não ser o caminho construído pela vida singular. Estão distantes, cada vez mais distantes do Não do leão. E quando, em raros momentos, essa vida atinge um certo grau de regeneração (o que é perigoso para os moralistas), ela é novamente amputada... É importante salientarmos o que Nietzsche diz a respeito do valor da sua doença: ela o libertou lentamente... Ter paciência, conhecer o nosso próprio tempo – assim podemos romper lentamente com o processo de obediência ao poder para obedecermos a potência. Nesse processo de crescimento espiritual, o que antes era considerado extremamente indispensável, perde o encanto – tornou-se inteiramente dispensável diante da tarefa... A vontade de potência expande-se para além daquilo que anteriormente tinha alguma função. É assim também com o organismo:

“Mesmo no interior de cada organismo não é diferente: a cada crescimento essencial do todo muda também o ‘sentido’ dos órgãos individuais – em certas circunstâncias a sua ruína parcial, a sua diminuição em número (pela destruição dos componentes intermediários, por exemplo) pode ser um signo de crescente força e perfeição [...] A magnitude de um ‘avanço’, inclusive, se mede pela massa daquilo que teve de lhe ser sacrificado.”148

Insistir em manter alguma coisa que já está seca e que não pode dar mais nada é um evidente sintoma de definhamento do conjunto de uma vida (uma sociedade assim corrompe-se...). Saber desprezar é um ato de amor...Manter-se em devir ativo é o lema nietzschiano. Por isso é importante recordarmos a seguinte frase de Nietzsche: “Mas que tome consciência do que é que lhe dá o mais alto sentimento, e não receie nenhum meio! Isso vale a eternidade!” Podemos, então, começar pelas seguintes questões: o que nos faz sentir? Onde é que está a intensidade? Quais são os alimentos que nos tornam mais aptos a desenvolvermos uma atividade que nos dá prazer? Qual é o melhor ambiente para essa ou aquela atividade? Quais as companhias que não são mais úteis para o nosso crescimento?... Ativar a nossa sensibilidade para o que é estranho e desprezado por todos, pode ser um princípio básico para o cultivo da nossa singularidade.



Texto tirado do Blog de Amauri Ferreira - http://amauriferreira.blogspot.com

Amauri Ferreira é filósofo e escritor. Ministra cursos, coordena grupos de estudos e desenvolve pesquisas pela Escola Nômade de Filosofia

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