Soledad Fernández
o sopro da deusa
me deleito no leito da poesia
a deusa que me acolhe com constância.
as outras, conforme a circunstância,
a fome de inventar o vento-amor.
sopro suas velas e ela se revela
em sua precariedade e seu esplendor.
é um rito que repito sem saber
se outra mão ampara a minha mão,
se sou ou se não sou conquistador
dessas conquistas feitas só de éter.
minhas palavras nunca foram minhas,
mas foram me forjando com sua força
até que me tornasse esse não-ser
feito de arquiteturas sem lugar
senão no reino-sonho que fundei.
essas palavras sopram-me presságios
e nelas plantarei os meus naufrágios.
a deusa que me acolhe com constância.
as outras, conforme a circunstância,
a fome de inventar o vento-amor.
sopro suas velas e ela se revela
em sua precariedade e seu esplendor.
é um rito que repito sem saber
se outra mão ampara a minha mão,
se sou ou se não sou conquistador
dessas conquistas feitas só de éter.
minhas palavras nunca foram minhas,
mas foram me forjando com sua força
até que me tornasse esse não-ser
feito de arquiteturas sem lugar
senão no reino-sonho que fundei.
essas palavras sopram-me presságios
e nelas plantarei os meus naufrágios.
Geraldo Carneiro
Balada do Impostor (Editora Garamond, 2006)
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Soledad Fernández
Soledad Fernández
A pintora madrilenha é considerada pelos críticos como um dos melhores artistas realistas da atualidade, sendo o corpo humano um de seus temas favoritos, especialmente mulheres nuas envolvidas em papel e tecidos, o que dá a seu trabalho certa magia e mistério. Ela vive desde 1949 em Collado Villalba, Madri. Entre 1960 e 1967 estudou no atelier de José Gutiérrez Valle, mestre da Escola Sevilhana. E se tornou uma artista de atelier. Fez vários cursos em arte moderna no Círcuito das Artes, em Madri. Nos anos 80, visitou e aprimorou-se em artes em Paris, Londres, Roma e Veneza, mergulhando nas técnicas que havia aprendido em Madri. Principalmente a partir de 1987, teve sucesso em várias exposições importantes pela Europa e Estados Unidos.
eternidade
para os estóicos o tempo não era
a mera caravana dos sucessos,
essa aventura quase sempre sem sentido
no rumo da anti-Canaã,
a terra onde não há qualquer Moisés
extravagando no Deserto dos Sinais
a mera caravana dos sucessos,
essa aventura quase sempre sem sentido
no rumo da anti-Canaã,
a terra onde não há qualquer Moisés
extravagando no Deserto dos Sinais
existe assim um outro tempo, imóvel,
no qual paira a palavra impronunciada,
o mito, sendo tudo e nada,
e idéias como flores ainda à espera
de outra Era ou só da primavera
e da decifração posterior
em suma, se os estóicos não criaram
um sistema solar irresistível
capaz de orientar a órbita dos astros
e as caravelas do conquistador,
em troca talvez tenham inventado
a melhor metáfora do amor
Geraldo Carneiro
Lira dos Cinqüent'anos (Editora Relume-Dumará, 2002)
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Soledad Fernández
a semântica das rosas
o signo rosa significa a rosa
a rosa em si mora no mundo
e é no fundo a flor da metaflora
que só floresce nos jardins suspensos
de Platão
(assim, se não se sabe se uma pena
é uma pena ou é uma pena
também nunca se sabe se uma rosa
é uma rosa ou é somente a insígnia
o enigma ou a senha ou a metáfora
significando alguma outra rosa)
em suma, cada signo é uma ponte
entre a palavra, seu império
e cada rosa sempre indecifrada
em seu mistério
a rosa em si mora no mundo
e é no fundo a flor da metaflora
que só floresce nos jardins suspensos
de Platão
(assim, se não se sabe se uma pena
é uma pena ou é uma pena
também nunca se sabe se uma rosa
é uma rosa ou é somente a insígnia
o enigma ou a senha ou a metáfora
significando alguma outra rosa)
em suma, cada signo é uma ponte
entre a palavra, seu império
e cada rosa sempre indecifrada
em seu mistério
Geraldo Carneiro
Lira dos Cinqüent'anos (Editora Relume-Dumará, 2002)
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Soledad Fernández
madrigal triste
eu sou como o rei de um país ensolarado
e todos os vadios me devem vassalagem
assim como as mariposas, as sereias
e os moluscos da beira-mar
e todos os vadios me devem vassalagem
assim como as mariposas, as sereias
e os moluscos da beira-mar
aos 25 anos decapitei
o busto de meu avô ex-monarca
aboli por decreto a realidade
e abdiquei também de certas pompas
a preguiça infame
jamais me permitiu demarcar
os limites de meu reino
digamos então que confino
ao Sul com o Paraíso
a Leste com o Oceano Atlântico
a Oeste com as ficções selvagens
de José de Alencar
e ao Norte com minha morte
mas tudo isso não me basta (ai de mim)
queria mesmo era colher o grito pleno
da tua alma cheia de tormentos
(maiores informações em Madrigal Triste,
de Charles Baudelaire)
Geraldo Carneiro
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Soledad Fernández
o elogio dos soníferos
a Cora Ronai
soníferos eu lanço contra as feras
que me devoram a solidez do sono.
a solidão em si não me apavora.
os outros são o inferno, o purgatório
e às vezes são também o paraíso.
não sei do inverno que virá ou não
virá, ainda não formei juízo.
aliás, juízo sempre me faltou
e há de faltar, espero, até a morte,
esse capítulo da história natural,
contra o qual não farei rebelião.
amparo metafísico? não tenho.
invejo o céu, a dança das esferas,
morro de inveja do Ptolomeu,
vagando a salvo nas cosmologias
com Deus no centro, o resto ao seu redor.
não tenho centro, cetro ou direção.
a mim só não me falta coração
que me devoram a solidez do sono.
a solidão em si não me apavora.
os outros são o inferno, o purgatório
e às vezes são também o paraíso.
não sei do inverno que virá ou não
virá, ainda não formei juízo.
aliás, juízo sempre me faltou
e há de faltar, espero, até a morte,
esse capítulo da história natural,
contra o qual não farei rebelião.
amparo metafísico? não tenho.
invejo o céu, a dança das esferas,
morro de inveja do Ptolomeu,
vagando a salvo nas cosmologias
com Deus no centro, o resto ao seu redor.
não tenho centro, cetro ou direção.
a mim só não me falta coração
Geraldo Carneiro
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Soledad Fernández
filosofia
o tempo é uma ficção criada há pouco tempo.
será desinventada no futuro
onde as rosas prescindem do jardim.
o tempo do relógio é uma miragem
tão irreal quanto qualquer camelo
passando no buraco de uma agulha.
metáforas são flores do pensamento
pensadas para que se possa pressentir
que o tempo é uma aventura aqui, agora
que se eterniza ou sequer agoniza:
se precipita no caos.
o tempo é a flor do caos
de onde as naus nunca regressarão
porque haveria sempre um tempo a mais
entre uma nau e a idéia do seu cais.
será desinventada no futuro
onde as rosas prescindem do jardim.
o tempo do relógio é uma miragem
tão irreal quanto qualquer camelo
passando no buraco de uma agulha.
metáforas são flores do pensamento
pensadas para que se possa pressentir
que o tempo é uma aventura aqui, agora
que se eterniza ou sequer agoniza:
se precipita no caos.
o tempo é a flor do caos
de onde as naus nunca regressarão
porque haveria sempre um tempo a mais
entre uma nau e a idéia do seu cais.
Geraldo Carneiro
Balada do Impostor (Editora Garamond, 2006)
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Soledad Fernández
a voz do mar
na nave língua em que me navego
só me navego eu nave sendo língua
ou me navego em língua, nave e ave.
eu sol me esplendo sendo sonhador
eu esplendor espelho especiaria
eu navegante, o anti-navegador
de Moçambiques, Goas, Calecutes,
eu que dobrei o Cabo da Esperança
desinventei o Cabo das Tormentas,
eu desde sempre agora nunca mais
cultivo a miração das minhas ilhas.
eu que inventei o vento e a Taprobana,
a ilha que só existe na ilusão,
a que não há, talvez Ceilão, sei lá,
só sei que fui e nunca mais voltei
me derramei e me mudei em mar;
só sei que me morri de tanto amar
na aventura das velas caravelas
em todas as saudades de aquém-mar
só me navego eu nave sendo língua
ou me navego em língua, nave e ave.
eu sol me esplendo sendo sonhador
eu esplendor espelho especiaria
eu navegante, o anti-navegador
de Moçambiques, Goas, Calecutes,
eu que dobrei o Cabo da Esperança
desinventei o Cabo das Tormentas,
eu desde sempre agora nunca mais
cultivo a miração das minhas ilhas.
eu que inventei o vento e a Taprobana,
a ilha que só existe na ilusão,
a que não há, talvez Ceilão, sei lá,
só sei que fui e nunca mais voltei
me derramei e me mudei em mar;
só sei que me morri de tanto amar
na aventura das velas caravelas
em todas as saudades de aquém-mar
Geraldo Carneiro
Balada do Impostor (Editora Garamond, 2006)
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Soledad Fernández
a coisa bela
toda beleza é sempre uma alegria.
eu sei, não foi bem isso que o John Keats
/disse,
mas cada língua escolhe as afeições
e imperfeições que lhe compete ser,
o ser da língua sendo o seu amar
o mar com cada qual sargaço seu
o espaço que se sonha na amplidão
do que se quer mais vasto.
um sonho vai fundando um outro sonho
até talvez um horizonte, ou não.
a palavra inaugura uma alegria
voa auspicia pássara
o que passou, o que ainda vai passar
o que se funda agora
e na hora da nossa vida-morte:
eu sei, não foi bem isso que o John Keats
/disse,
mas cada língua escolhe as afeições
e imperfeições que lhe compete ser,
o ser da língua sendo o seu amar
o mar com cada qual sargaço seu
o espaço que se sonha na amplidão
do que se quer mais vasto.
um sonho vai fundando um outro sonho
até talvez um horizonte, ou não.
a palavra inaugura uma alegria
voa auspicia pássara
o que passou, o que ainda vai passar
o que se funda agora
e na hora da nossa vida-morte:
o resto só será palavra-além.
Geraldo Carneiro
Balada do Impostor (Editora Garamond, 2006)
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