Joanna Zjawinska

Joanna Zjawinska




No ponto onde o silêncio


No ponto onde o silêncio e a solidão
Se cruzam com a noite e com o frio,
Esperei como quem espera em vão,
Tão nítido e preciso era o vazio.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Joanna Zjawinska






MUSA

Aqui me sentei quieta
Com as mãos sobre os joelhos
Quieta muda secreta
Passiva como os espelhos

Musa ensina-me o canto
Imanente e latente
Eu quero ouvir devagar
O teu subito falar
Que me foge de repente

Sophia de Mello Breyner Andresen


Joanna Zjawinska





Retrato de uma princesa desconhecida


Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos


Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino

Sophia de Mello Breyner Andresen


Joanna Zjawinska




Lost in Translation
Ana Paula Perissé*

inspirada em tela de Joanna Zjawinska e
na generosidade de Fada do Mar Suave


Perder-se enquanto os outros
vivem
ou se acham
quase inteiros

quero perder-me
por um pouco de vida
em fragmentos
transitar-me
passar
fricções com doses de afectos
mutantes
díspares
sem sentido.

quero perder-me na tentativa
de traduzir a sombra do mundo
esquecida
diante do espelho ancestral
de sermos apenas
nós


(as velas se apagam e o candelabro se ilumina no escuro,
vestes nuas)


Joanna Zjawinska

Joanna Zjawinska




Que nenhuma estrela queime o teu perfil

Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

Sophia de Mello Breyner Andresen


Joanna Zjawinska






Liberdade

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Joanna Zjawinska

Joanna Zjawinska


Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.


Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Joanna Zjawinska


Terror de te amar

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa


Joanna Zjawinska