Gervasio Gallardo



Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


Carlos Drummond de Andrade


Gervasio Gallardo








Ah o amor ... que nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei porque...

Carlos Drummond de Andrade



Gervasio Gallardo



As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade


Gervasio Gallardo







Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata...


Carlos Drummond de Andrade


Gervasio Gallardo

Gervasio Gallardo






ALÉM DA TERRA, ALÉM DO CÉU

Além da Terra, além do Céu,

no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,

na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,

até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar

o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente,

acima das gramáticas

e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,

o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.


Carlos Drummond de Andrade



Gervasio Gallardo



AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.



Carlos Drummond de Andrade