Anke Merzbach


Flores para Coimbra

Que mil flores desabrochem. Que mil flores
(outras nenhumas) onde amores fenecem
que mil flores floresçam onde só dores
florescem.

Que mil flores desabrochem. Que mil espadas
(outras nenhumas não)
onde mil flores com espadas são cortadas
que mil espadas floresçam em cada mão.

Que mil espadas floresçam
onde só penas são.
Antes que amores feneçam
que mil flores desabrochem. E outras nenhumas não.

Manuel Alegre




Divina Música!
Filha da Alma e do Amor.
Cálice da amargura
E do Amor.
Sonho do coração humano,
Fruto da tristeza.
Flor da alegria, fragrância
E desabrochar dos sentimentos.
Linguagem dos amantes,
Confidenciadora de segredos.
Mãe das lágrimas do amor oculto.
Inspiradora de poetas, de compositores
E dos grandes realizadores.
Unidade de pensamento dentro dos fragmentos
Das palavras.
Criadora do amor que se origina da beleza.
Vinho do coração
Que exulta num mundo de sonhos.
Encorajadora dos guerreiros,
Fortalecedora das almas.
Oceano de perdão e mar de ternura.
Ó música.
Em tuas profundezas
Depositamos nossos corações e almas.
Tu nos ensinaste a ver com os ouvidos
E a ouvir com os corações.

Gibran Kahlil Gibran

Anke Merzbach




Nas belas tardes de verão, pelas estradas irei,
Roçando os trigais, pisando a relva miúda:
Sonhador, a meus pés seu frescor sentirei:
E o vento banhando-me a cabeça desnuda.

Nada falarei, não pensarei em nada:
Mas um amor imenso me irá envolver,
E irei longe, bem longe, a alma despreocupada,
Pela Natureza — feliz como com uma mulher.

Arthur Rimbaud

Anke Merzbach

Anke Merzbach



Estrela perigosa

Estrela perigosa
Rosto ao vento
Marulho e silêncio
leve porcelana
templo submerso
trigo e vinho
tristeza de coisa vivida
árvores já floresceram
o sal trazido pelo vento
conhecimento por encantação
esqueleto de idéias
ora pro nobis
Decompor a luz
mistério de estrelas
paixão pela exatidão
caça aos vagalumes.
Vagalume é como orvalho
Diálogos que disfarçam conflitos por explodir
Ela pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é.

No obscuro erotismo de vida cheia
nodosas raízes.
Missa negra, feiticeiros.
Na proximidade de fontes,
lagos e cachoeiras
braços e pernas e olhos,
todos mortos se misturam e clamam por vida.
Sinto a falta dele
como se me faltasse um dente na frente:
excruciante.
Que medo alegre,
o de te esperar.

(Clarice Lispector)

Anke Merzbach




Depois de ter cortado todos os braços que se estendiam para mim;
depois de ter entaipado todas as janelas e todas as portas;
depois de ter inundado os fossos com água envenenada;
depois de ter edificado minha casa num rochedo inacessível aos afagos e ao medo;
depois de ter lançado punhados de silêncio e monossílabos de desprezo a meus amores;
depois de ter esquecido meu nome e o nome da minha terra natal;
depois de me ter condenado a perpétua espera e a solidão perpétua,
ouvi contra as pedras de meu calabouço de silogismos
a investida úmida, terna, insistente, da
Primavera.

Octávio Paz

Anke Merzbach





Anke Merzbach




***

Gatinho





Albert Einstein


Viver é como andar de bicicleta: É preciso estar em constante movimento para manter o equilíbrio.

Marcel Duchamp

Marcel Duchamp


"A BICICLETA"

Me lembro, me lembro
foi depois do jantar, meu avô me chamou,
tinha um riso na cara, um riso de festa:

"- Guilherme, vou tapar seus olhos,
venha cá."

Os tios, os primos, os irmãos, na grande mesa redonda
ficaram rindo baixinho, estou ouvindo, estou ouvindo:

"- Abre os olhos, Guilherme!"

Estava na sala de jantar, junto da porta do corredor,
como uma santa irradiando, num altar,
como uma coroa na cabeça de um rei,
a bicicleta novinha, com lanterna, campainha, lustroso selim de couro,
tudo.

Me lembrei hoje da minha bicicleta
quando chegou a minha geladeira.

Mas faltou qualquer coisa à minha alegria,
talvez a mesa redonda, os tios, os primos rindo baixinho,

" – abre os olhos, Guilherme!"

Oh! Faltou qualquer coisa à minha alegria!


Anke Merzbach


Esao Andrews



Desconheço a autoria


Hoje cantarei os frutos da caminhada. Os saborosos, os amargos, os melífluos, os exóticos. Tudo o que me deste, todos os que deram. E são muitos e são tantos, que me embalo em doce canto.

São maduros, generosos, fartos, nácar em polpas. São teus olhos, são teus braços, os afetos e as passagens. A chegada, a virada, a parada. Examinar!Constatar! Alegrar-se!Meus frutos, nossos frutos. Fartar-se!

A fotossíntese e a clorofila, os filamentos, a tarde, o fim do dia. Pedalando e parando, acoplando os pés em densa grama. Adensando o corpo em extensos planos, colorindo as flores.

Então, assim ficamos; das flores que vieram, os frutos que ficaram. Com Cecília, com Peri, sem fantasmas, sem longas viagens. Pequenas paragens, eternas dormências. É colheita. Assim canto:

_Imensa paz!

Kátia Torres Negrisoli
Autoria Desconhecida


Olha a cena!


Quem mo colocou lá em cima, quem foi?!
Trate de me tirar, recolocar-me em meu lugar.
Não gosto, sobremaneira, desta tal brincadeira.
Piso firme, chão batido, todo dia, dia-a-dia!!

Sem essa de delirar, sem essa de me tirar!!
Ajeita as rodas, arruma as notas, deixa aos pássaros
a vontade de delirar...

Que coisa sem jeito, que triste trejeito... trágico trajeto!
Engoliram minha bicicleta, levaram-na embora, urge as propagandas!
Sem fita de cinema, sem alô de fone mal pago, anúncio de boca em boca.

Pedala, ajeita, desentorta, sem esta de quase morta!
Em linhas retas, enormes círculos, assim se vai.
Assim se conta, a fenomenal história, de duas rodas.

Kátia Torres Negrisoli