Rachel Ferguson

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Mimese



o deserto em minha face
tinha sal em cada instante
e um cheiro de maresia
vitrificada por olhos de forasteira
é ardente indício de querência

cansada de falar de mim
olho cada grão
que me deixa
detalhes de universo
impregnar-me
de saudades

saudades do branco
a descobrir-se 
saudades do que fui 
ou do que nunca serei

saudades de sonhos negros
anjos disformes 
de um tipo que nunca se esquece

saudades do que é maior
mímeses de vidas
que se foram
todas.

 (renascimentos aterradores de rosas)



Ana Paula Perissé

Rachel Ferguson






Álea Perversa


aprendi como os rostos se despedaçam
em despedidas disformes
( inexistência de vida)

quem há de chorar
enquanto a voz triste
dos violinos
encanta 1 só alma
perdida ou despida 
em álea perversa?

(aprendi como a vida lhe é indiferente)

Deste sonho negro
prefiro a vertigem de 1 abismo
a me rondar
( promessas de dança)
falésias aparentes de nada
a deitar meu pensamento
no ombro lúgubre
de quem nunca estive.

quem há de chorar por rastros desapegados
de suor?

Não! não sou eu esta mulher
distante
que sente
turvas feridas.


Ana Paula Perissé



Rachel Ferguson









Abissal de tempo


e então 
à beira de teu perfume que se esvai
aonde eu fico,
por Deus?

E o sol aparece
e se esconde
bailado cruel de luminosidades
e eu tenho medo
sem entender
o ritmo da vida

E a cada sopro
ou brisa 
que me chega de ti
eu me alimento
e eu respiro
para logo em seguida
perder-me

neste caminho 
que sempre foi o nosso
uma abissal de tempo
e de vozes
olho no olho
da pupila do mundo
em nós


Aonde eu fico?

(Dentro de mim
ainda e sempre
aquela essência)

Alquimia nossa.



Ana Paula Perissé

Rachel Ferguson







espaços de meia-noite



na imensidão do uno
há espaços de meia-noite
em cada semente

tem gente que entra
pessoas que ficam
de fora.

entre nesgas de mundos
portando senhas à meia-luz.


Ana Paula Perissé

Rachel Ferguson





Aprendiz


não sei como respirar
sem perder-me
me chega maresia
e ondas
e amor, amor, amor

como se faz para respirar e amar
ao mesmo tempo?


vou aprender a brisa 
da síntese do mundo


Ana Paula Perissé



Rachel Ferguson








Dance-me



dance-me até o final do mundo
pois desconheço-me tanto de mim
que entrego-me 
inteira
ao aroma findo
de verbena
em ritmo fatal

não mais quero
viver intensamente
e aos poucos
bailado sem vozes
ao som de peles
raspando
em cútis vis

(aos escombros
ah! sobram muitos de nós!)



Ana Paula Perissé

Rachel Ferguson





Lacrima


Lacrima
Suspiro 
Olhar no oceano.

Brisa
Venta
Vastidão nossa.

Ilhas
Gérmen
Imensidão a dois

 (ao mundo)

Sonhos
Cerrados
Álea para passagem

(nossa, nocturna)

Pele intocada na minha
Alma entranhada em duo.


Ana Paula Perissé

Rachel Ferguson





Chorare III


será 
já brincaste
com a brisa do mar
tua face ao vento
sentindo meu perfume
distante mas inteiro
só para ti?

será 
em algum dia
ouviste a voz das ondas 
de meu corpo
a música de meus afectos?

será 
já sorriste
para esta loucura
que existe sendo
apenas minha?

(já te fui um pouquinho tua?)

 (a loucura que atravessa meus mapas 
de alma
reconduz-me
sempre
de volta á ti)



Ana Paula Perissé

Rachel Ferguson







Alhures


A voz amarga dos violinos
embala o segredo
que te inquieta a vigília
e mesmo a paixão
mais explícita
não te alcançará
uma alma recolhida
nem mesmo os beijos
em lábios fundidos
anos de amor e volúpias de alcova

aos que desejam a chave de meu silêncio
loucos se fazem
pois meu coração não vibra
em compassos alhures
em tuas mãos



Ana Paula Perissé


Rachel Ferguson







Ciclos


a cada gole
que sorvo
sofregamente
desta vida
é inicio
ora é fim.
Toadas renovadas
ao passarem
nervuras, som, fúria em pessoas
no tempo de cada
ente

 (só ou perdido de si 
a cada passagem plena
de estrelas mundanas) 


Ana Paula Perissé

Rachel Ferguson



Rachel Ferguson

Solidão é uma forma de auto-proteção. É um lugar onde se pode evitar responsabilidades com outros e negar qualquer necessidade de aprovação. E arranja tempo para escapar das demandas da vida diária. É simples, contida e paralisada.
Minhas pinturas são pensadas para reunir o conforto da solidão, mas também revelam seus limites. As figuras são confinadas pelo espaço que ocupam e seus corpos são mantidos inativos por seus pensamentos. Ultimamente, a segurança que suas poses contidas sugere deveria levar as pessoas a pensar emu ma armadilha.
Meu trabalho tenta comunicar tanto uma dependência da solidão quanto um apelo para que alguma força externa a quebre.








Menino


e eu fico a ventar
dunas
e por-de-nós
enquanto a restinga nos passa
e o mangue separa-nos
de nosso povo
quase Norte.

quando tudo é movimento
(pairagens longínquas
em terras de lua e marés
a marcar-nos alma)

nado sou
mesmo a ventar 

e me vem
Valnir
menino pés descalços
com seu sorriso de vila
paupérrima
a desvelar quem sou
ou quem estará por vir.

(areias brincantes
tudo é movimento
pó)


Ana Paula Perissé

"Sou qualquer coisa que vive na vertigem de ser, que sonha e que se perde, apenas uma viajante, aprendiz do tudo e do nada."

Ana Paula Perissé é publicitária, estudou Fine Arts no exterior é mestra e doutoranda em Psicologia Social na UERJ, tem um filho muito amado e é cidadã carioca. Seus trabalhos publicados estão concentrados na área científica, porém, participa pela primeira vez como poeta da Antologia Dellicatta III lançada em 2008 na Bienal do Livro, SP, quando resolve continuar sua trajetória com a palavra e a poesia.