Sergey Ignatenko

Sergey Ignatenko








Inescapável
Para Marcus Vinícius


Não escolho o que vou fazer
não posso

Fantasio só
qualquer tentativa redunda
no mais redondo fracasso


Não decido o que escrever
me esforço

Por escrever só
Então escrito
respiro coragem
pra aceitar
o que decifro


Na folha
o que foi
minha escolha


Eduardo Tornaghi

Sergey Ignatenko








Graal


Há uma outra leitura
dentro de cada poema.
Não se contente nunca
com um sentido apenas.

Há na superfície mesmo
escondida nas obviedades,
nas tônicas, nos termos,
nas vírgulas, na sintaxe,

uma pulsação que exala
o mistério das sensações,
uma alguma outra fala
que salta de formas e sons.

Sentidos muitos se tramam
em teias, em redes, impulso
onde o que nos humana
goza ao tocar o oculto.


Eduardo Tornaghi

Sergey Ignatenko








Boas


Boa poesia é música
mas não só

Boa música é matemática
mas não só

Boa matemática é lógica
mas não só

Boa lógica é malandragem
mas não só

Boa malandragem é poesia
o resto é pó


Eduardo Tornaghi

Sergey Ignatenko









Hedonismo


À minha frente à esquerda,
A minha frente, esquerda.


Imagem invertida,
apenas um duplo,
amor limitado,
coisa pouca.

Espelho só se pode beijar na boca


Eduardo Tornaghi

Sergey Ignatenko







Wit
pro Elliot


As coisas não são o que vemos
As coisas nem são o que são
Toda certeza que temos
É vaidade:
Qualidade do que é vão


Eduardo Tornaghi

Sergey Ignatenko








Singularidade
- Alumbramento -
Para Manuel Bandeira


Abriu-se um espaço no tempo
Abriu-se um tempo no espaço
Deu-se um silêncio no vento
Deu-se inequívoco passo

O espaço de tempo que é tempo
Bem antes de ser espaço
Expandiu um ponto lento
Pulsando tornou-se “eu faço”

E fez-se o universo imenso
E fez-se o calor do abraço


Eduardo Tornaghi

Sergey Ignatenko






Limite
Para Mario Peixoto e Jane Duboc

I

Tudo que é
fechado
é pequeno

Tudo que tem
tamanho
é fechado

Tudo que se
percebe
é tamanho

Tudo
Fechado

Tudo
Pequeno

Tudo
Tamanho


II

Todo pequeno
é enorme no seu mistério
todo grande
é mínimo na sua simplicidade

O mistério da simplicidade
é o ponto cego
da compreensão



ponto em nós

a simplicidade do mistério
é o ponto

nós


Eduardo Tornaghi

Sergey Ignatenko








Currículo
soneto sincopado


Já soquei tijolo já virei concreto
Já comi do bom e já pastei sem teto
Já passei vazio já sonhei repleto
Só me falta chorar pra ser completo

Já banquei o bobo me julgando esperto
Já fechei a porta e inda restei aberto
Já comprei a banca - já fui objeto
Só me falta chorar pra ser completo

Já plantei a dor tentando ser correto
Já tive razão mesmo sem estar certo
Já me fiz sublime - já fui abjeto

Já clamei por voz em um pleno deserto
Já me atrapalhei com tudo que é afeto
Só me falta chorar pra ser completo


Eduardo Tornaghi

Sergey Ignatenko






I
Deixar correr pelo papel a mão


solta
sem ciência
sem direção

curtir mais
a cor da tinta
a curva da linha
o sentido do traço

Que

o sentido do troço
o ângulo do logo
o brilho da oclusão

Deixar pelo papel correr a mão

II

Deixar pelo papel a mão correr

e ver depois
se desenhos
ou palavras
se riscos
ou recados

Lembrar sempre
que desenhos são palavras
palavras são desenhos
e todos são riscos
todos são recados

Depois respirar fundo
mergulhar na inspiração
até calar a Babel
então ao expirar

Deixar correr a mão pelo papel

III

Deixar pelo correr a mão papel

e que a mágica se repita
mil e tantas e muitas vezes
até que a mão se solte
ligando-se assim à fonte
à cascata do aguadeiro
que generosa se derrama
levando o que é vivo a brilhar
até ser capaz
de passar a luz adiante

Deixa


Eduardo Tornaghi

Sergey Ignatenko











Sergey Ignatenko



Sergey Ignatenko

Desde criança Sergey Ignatenko foi atraído pela pintura, o que se intensificou através do tempo, influenciando sua vida. Uma excelente educação artística permite que trabalhe em vários estilos e com variados materiais. Seu portfolio mostra paisagens e naturezas mortas, abstrações e retratos e o artista sente segurança em utilizar óleo e lápis, bem como uma técnica de pincel a seco nos retratos. 
Como revela o próprio artista, seu motivo favorito é o que considera como mais belo na terra, a mulher. “Em minhas pinturas ela pode estar vestida ou nua, alegre ou triste, sentada, em pé ou deitada. Mas eu sempre tento mostrar sua graça, dignidade e capturar sua beleza física e spiritual”, revela o artista. Seus trabalhos mostram experiências com cores e luzes, destacando o que houver de mais importante na obra. Sergey Ignatenko nasceu em 1975, em Gomel, na Bielo-Rússia, onde reside e mantém um atelier particular.













Eduardo Tornaghi


Ex-galã de novelas da Globo, o agora teatrólogo e poeta Eduardo Tornaghi mudou radicalmente seu modo de vida, ao optar pelo trabalho artístico em comunidades carentes do Rio de Janeiro, como Santa Marta e São Gonçalo. Sucessos da década de 70, como Dancin' Days e A Moreninha, entre outras novelas, ficaram para trás. Convites não lhe faltaram, mas Tornaghi estava decidido a não voltar. Rico e famoso, abandonou a carreira no topo e fez opção pela pobreza. "Queria trabalhar no movimento popular", explica.
Hoje, aos 48 anos, casado há quatro com uma antiga admiradora, Selma, que conheceu há 20 anos, e prestes a ser pai pela primeira vez, Tornaghi divide seu tempo ensinando a profissão a moradores do morro Santa Marta e orientando professoras de uma creche em São Gonçalo. Em nenhum dos dois ofícios é remunerado. Garante seu sustento substituindo atores em peças de teatro ou fazendo pequenas turnês pelo interior do País. Na área da poesia, promove regularmente as Peladas Poéticas, encontros informais para apresentar e discutir literatura.

(Resumo baseado em reportagem de Adriana Barsotti, Isto É Gente.)