Claude Monet

Claude Monet







Merina 


Rosto comprido, airosa, angelical, macia,
 
Por vezes, a alemã que eu sigo e que me agrada, 
Mais alva que o luar de inverno que me esfria, 
Nas ruas a que o gás dá noites de balada; 
Sob os abafos bons que o Norte escolheria, 
Com seu passinho curto e em suas lãs forrada, 
Recorda-me a elegância, a graça, a galhardia 
De uma ovelhinha branca, ingênua e delicada. 


Cesário Verde

Claude Monet







Lágrimas


Ela chorava muito e muito, aos cantos, 
Frenética, com gestos desabridos; 
Nos cabelos, em ânsias desprendidos 
Brilhavam como pérolas os prantos. 

Ele, o amante, sereno como os santos, 
Deitado no sofá, pés aquecidos, 
Ao sentir-lhe os soluços consumidos, 
Sorria-se cantando alegres cantos. 

E dizia-lhe então, de olhos enxutos: 
- "Tu pareces nascida da rajada, 
“ Tens despeitos raivosos, resolutos: 

"Chora, chora, mulher arrenegada; 
"Lagrimeja por esses aquedutos... 
-"Quero um banho tomar de água salgada." 


Cesário Verde

Claude Monet







Vaidosa


Dizem que tu és pura como um lírio 
E mais fria e insensível que o granito, 
E que eu que passo aí por favorito 
Vivo louco de dor e de martírio. 

Contam que tens um modo altivo e sério, 
Que és muito desdenhosa e presumida, 
E que o maior prazer da tua vida, 
Seria acompanhar-me ao cemitério. 

Chamam-te a bela imperatriz das fátuas, 
A déspota, a fatal, o figurino, 
E afirmam que és um molde alabastrino, 
E não tens coração, como as estátuas. 

E narram o cruel martirológio 
Dos que são teus, ó corpo sem defeito, 
E julgam que é monótono o teu peito 
Como o bater cadente dum relógio. 

Porém eu sei que tu, que como um ópio 
Me matas, me desvairas e adormeces, 
És tão loura e dourada como as messes 

E possuis muito amor... muito amor-próprio. 


Cesário Verde

Claude Monet







Eu e Ela


Cobertos de folhagem, na verdura, 
O teu braço ao redor do meu pescoço, 
O teu fato sem ter um só destroço, 
O meu braço apertando-te a cintura; 

Num mimoso jardim, ó pomba mansa, 
Sobre um banco de mármore assentados. 
Na sombra dos arbustos, que abraçados, 
Beijarão meigamente a tua trança. 

Nós havemos de estar ambos unidos, 
Sem gozos sensuais, sem más idéias, 
Esquecendo para sempre as nossas ceias, 
E a loucura dos vinhos atrevidos. 

Nós teremos então sobre os joelhos 
Um livro que nos diga muitas cousas 
Dos mistérios que estão para além das lousas, 
Onde havemos de entrar antes de velhos. 

Outras vezes buscando distração, 
Leremos bons romances galhofeiros, 
Gozaremos assim dias inteiro, 
Formando unicamente um coração. 

Beatos ou pagãos, via à paxá, 
Nós leremos, aceita este meu voto, 
O Flos-Sanctorum místico e devoto 
E o laxo Cavaleiro de Fábulas... 

Cesário Verde

Claude Monet








Cinismos


Eu hei de lhe falar lugubremente 
Do meu amor enorme e massacrado, 
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente. 

Hei de expor-lhe o meu peito descarnado, 
Chamar-lhe minha cruz e meu Calvário, 
E ser menos que um Judas empalhado. 

Hei de abrir-lhe o meu íntimo sacrário 
E desvendar a vida, o mundo, o gozo, 
Como um velho filósofo lendário. 

Hei de mostrar, tão triste e tenebroso, 
Os pegos abismais da minha vida, 
E hei de olhá-la dum modo tão nervoso, 

Que ela há de, enfim, sentir-se constrangida, 
Cheia de dor, tremente, alucinada, 
E há de chorar, chorar enternecida! 

E eu hei de, então, soltar uma risada. 


Cesário Verde

Claude Monet







Heroísmos


Eu temo muito o mar, o mar enorme, 
Solene, enraivecido, turbulento, 
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento; 
O mar sublime, o mar que nunca dorme. 

Eu temo o largo mar, rebelde, informe, 
De vítimas famélico, sedento, 
E creio ouvir em cada seu lamento 
Os ruídos dum túmulo disforme. 

Contudo, num barquinho transparente,
 
No seu dorso feroz vou blasonar, 
Tufada a vela e n'água quase assente, 

E ouvindo muito ao perto o seu bramar, 
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente, 
Escarro, com desdém, no grande mar! 


Cesário Verde

Claude Monet







Manias


O mundo é velha cena ensanguentada. 
Coberta de remendos, picaresca; 
A vida é chula farsa assobiada, 
Ou selvagem tragédia romanesca. 

Eu sei um bom rapaz, - hoje uma ossada -, 
Que amava certa dama pedantesca, 
Perversíssima, esquálida e chagada, 
Mas cheia de jactância, quixotesca. 

Aos domingos a déia, já rugosa, 
Concedia-lhe o braço, com preguiça, 
E o dengue, em atitude receosa, 

Na sujeição canina mais submissa, 
Levava na tremente mão nervosa, 
O livro com que a amante ia ouvir missa! 


Cesário Verde

Claude Monet








Ecos do realismo: Proh pudor!


Todas as noites ela me cingia 
Nos braços, com brandura gasalhosa; 
Todas as noites eu adormecia, 
Sentindo-a desleixada e langorosa.
Todas as noites uma fantasia 
Lhe emanava da fronte imaginosa; 
Todas as noites tinha uma mania 
Aquela concepção vertiginosa.
Agora, há quase um mês, modernamente, 
Ela tinha um furor dos mais soturnos, 
Furor original, impertinente...
Todas as noites ela, ah! sordidez! 
Descalçava-me as botas, os coturnos, 
E fazia-me cócegas nos pés...


Cesário Verde
Lisboa
Publicado no Diário da Tarde (Porto), 22 de Janeiro de 1874.

Claude Monet








Num tripúdio de corte rigoroso


Ó áridas Messalinas
não entreis no santuário,
transformareis em ruínas
o meu imenso sacrário!

Oh! a deusa das doçuras,
a mulher! eu a contemplo!
Vós tendes almas impuras,
não me profaneis o templo!

A mulher é ser sublime,

é conjunto de carinhos,
ela não propaga o crime,
em sentimentos mesquinhos.

Vós sois umas vis afrontas,

que nos dão falsos prazeres,
não sei se sois más se tontas,
Mas sei que não sois mulheres!


Cesário Verde

Claude Monet






Lúbrica


Mandaste-me dizer, 
No teu bilhete ardente, 
Que hás-de por mim morrer, 
Morrer muito contente. 

Lançaste no papel 
As mais lascivas frases; 
A carta era um painel 
De cenas de rapazes! 

Ó cálida mulher,
 
Teus dedos delicados 
Traçaram do prazer 
Os quadros depravados! 

Contudo, um teu olhar 
É muito mais fogoso, 
Que a febre epistolar 
Do teu bilhete ansioso: 

Do teu rostinho oval
 
Os olhos tão nefandos 
Traduzem menos mal 
Os vícios execrandos. 

Teus olhos sensuais
 
Libidinosa Marta, 
Teus olhos dizem mais 
Que a tua própria carta. 

As grandes comoções
 
Tu, neles, sempre espelhas; 
São lúbricas paixões 
As vívidas centelhas... 

Teus olhos imorais, 
Mulher, que me dissecas, 
Teus olhos dizem mais, 
Que muitas bibliotecas!


Cesário Verde

Claude Monet


Oscar-Claude Monet Paris, 14 de novembro de 1840 - Giverny, 5 de dezembro de 1926, foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionista
A tela de Monet Impressão, Sol Nascente (1872), qualificada com certa ironia na exposição coletiva de 1874 como impressionista, deu nome a todo um movimento artístico. O jovem Monet começara como caricaturista; foi o pintor Eugène Boudin quem o aconselhou a se dedicar à pintura. Assim se iniciou o seu fascínio pelos efeitos da luz e da cor, que haveria de tomar toda a sua vida. A obra de pintores como Auguste Renoir ou Alfred Sisley exerceria influência determinante em Monet, depois que, finalizados os estudos, ele se instalou em Paris. A sua primeira série, intitulada Station de St. Lazaire, foi completada entre 1876 e 1878. Nela, Monet pintou o mesmo motivo em diferentes horas do dia, reproduzindo a incidência da luz. Ele investigava, desse modo, as diferentes influências que a luz pode exercer sobre a percepção da realidade. Seguiram-se diferentes séries, como a dos Moinhos, a da Catedral de Ruão ou a dos Nenúfares. A série final do pintor, ameaçado pela cegueira, situa-se entre 1916 e 1926. Trata-se de paisagens de grande formato que reproduzem a incidência da luz sobre a superfície de um lago e que se situam além do impressionismo em seu sentido estrito.


http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_735.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Claude_Monet






"Povo! No pano cru rasgado das camisas.
Uma bandeira penso que transluz!
Com ela sofres, bebes, agonizas:
Listrões de vinho lançam-lhe divisas,
E os suspensórios traçam-lhe uma cruz!”

Cesário Verde
(in "Cristalizações")

José Joaquim Cesário Verde (Lisboa, 25 de Fevereiro de 1855 — Lumiar, 19 de Julho de 1886) foi um poeta português, sendo considerado um dos precursores da poesia que seria feita em Portugal no século XX.
Filho do lavrador e comerciante José Anastácio Verde e de Maria da Piedade dos Santos Verde, Cesário matriculou-se no Curso Superior de Letras em 1873, mas apenas o frequentou alguns meses. Ali conheceu Silva Pinto, que ficou seu amigo para o resto da vida. Dividia-se entre a produção de poesias (publicadas em jornais) e as atividades de comerciante herdadas do pai.
Em 1877 começou a ter sintomas de tuberculose, doença que já lhe tirara o irmão e a irmã. Estas mortes inspiraram, contudo um de seus principais poemas, Nós (1884).
Tenta curar-se da tuberculose, mas sem sucesso, vem a falecer no dia 19 de Julho de 1886. No ano seguinte Silva Pinto organiza O Livro de Cesário Verde, compilação da sua poesia publicada em 1901.
No seu estilo delicado, Cesário empregou técnicas impressionistas, com extrema sensibilidade ao retratar a Cidade e o Campo, que são os seus cenários prediletos. Evitou o lirismo tradicional, expressando-se de uma forma mais natural.


Para Cesário Verde, ver é perceber o que se esconde na realidade, é captar as impressões que as coisas lhe deixam e, por isso, percepciona o real minuciosamente através dos sentidos e reflete essa mesma impressão que o exterior deixa no interior do sujeito poético. Ou seja, o real exterior é apreendido pelo mundo interior que o interpreta e recria com grande nitidez, numa atitude de captação de real pelos sentidos, com predominância dos dados da visão: a cor, a luz, o recorte e o movimento. Ele era um Cesário verde!

Cesário Verde/ Leyla Perrone-Moisés/Seleção/Coleção Melhores Poemas/Editora Global.