Orlando Hernández Yanes

Orlando Hernández Yanes








O último poema


Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.



Manuel Bandeira

Orlando Hernández Yanes









Como as mulheres são lindas


Inútil pensar que é do vestido...
E depois não há só as bonitas:
Há também as simpáticas.
E as feias, certas feias em cujos olhos vejo isto:
Uma menininha que é pisada e batida e nunca sai da cozinha.

Como deve ser bom gostar de uma feia!
O meu amor, porém não tem bondade alguma.
É fraco! É fraco!
Meu Deus, eu amo como as criancinhas...

És linda como uma história da carochinha...
E eu preciso de ti como precisava de mamãe e papai
 (No tempo em que pensava que os ladrões moravam
no morro atrás de casa e tinham cara de pau).


Manuel Bandeira

Orlando Hernández Yanes








Desencanto


Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.


Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.


E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.


- Eu faço versos como quem morre.


Manuel Bandeira

Orlando Hernández Yanes








Poética


Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja 
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare


— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.



Manuel Bandeira

Orlando Hernández Yanes







Teresa


A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna


Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
 (Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)


Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.




Manuel Bandeira

Orlando Hernández Yanes








Madrigal Melancólico 


O que eu adoro em ti,
 
Não é a tua beleza. 
A beleza, é em nós que ela existe. 
A beleza é um conceito. 
E a beleza é triste. 
Não é triste em si, 
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza. 

O que eu adoro em ti,
 
Não é a tua inteligência. 
Não é teu espírito sutil, 
Tão ágil e luminoso, 
Ave solta no céu matinal da montanha. 

Nem é a tua ciência 
Do coração dos homens e das coisas. 
O que eu adoro em ti, 
Não é a tua graça musical, 
Sucessiva e renovada a cada momento, 
Graça aérea como o teu próprio pensamento, 

Graça que perturba e satisfaz. 
O que eu adoro em ti, 
Não é a mãe que perdi, 
Não é a irmã que já perdi, 
e meu pai. 

O que adoro em tua natureza, 
Não é o profundo instinto maternal 
Em teu flanco aberto como uma ferida. 
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza. 
O que eu adoro em ti - lastima-me e consola-me! 

O que adoro em ti, é a vida. 


Manuel Bandeira

Orlando Hernández Yanes







Arte de amar


Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.


Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.


Porque os corpos se entendem, mas as almas não.



Manuel Bandeira

Orlando Hernández Yanes






Minha grande ternura


Minha grande ternura
Pelos passarinhos mortos;
Pelas pequeninas aranhas.


Minha grande ternura
Pelas mulheres que foram meninas bonitas
E ficaram mulheres feias;
Pelas mulheres que foram desejáveis
E deixaram de o ser.
Pelas mulheres que me amaram
E que eu não pude amar.


Minha grande ternura
Pelos poemas que
Não consegui realizar.


Minha grande ternura 
Pelas amadas que
Envelheceram sem maldade.


Minha grande ternura 
Pelas gotas de orvalho que
São o único enfeite de um túmulo.

Manuel Bandeira

Orlando Hernández Yanes







VELHA CHÁCARA


A casa era por aqui...
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.


Ah quanto tempo passou!
(Foram mais de cinqüenta anos.)
Tantos que a morte levou!
(E a vida... nos desenganos...)


A usura fez tábua rasa
Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa...


- Mas o menino ainda existe.


Manuel Bandeira

Orlando Hernández Yanes








Belo Belo


Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.


Manuel Bandeira

Orlando Hernández Yanes


Orlando Hernández Yanes

Pintor, artista gráfico, ilustrador, jornalista e professor, Orlando Hernandez nasceu em 1926, em Cardenas (Matanzas, Cuba). Começou nas artes visuais aos doze anos e, em 1952, formou-se na Academia de Belas Artes San Alejandro. A biografia do artista é cheia de eventos e realizações brilhantes. Sua primeira exposição individual ocorreu em Havana, em 1948, no Liceu Lawn Tennis Club. Ganhou o primeiro prêmio em pintura no Salão Nacional de Pinturas, Aquarelas e Gravuras de Havana, em 1949. Trabalhou como desenhista em vários jornais e revistas, como El País, El Excelsior, El Crisol e Bohemia, entre outros, ganhando o Prêmio Nacional de Jornalismo João Gualberto Gomez (1952).
Em 1954, Orlando Hernandez foi para a Europa, viajando durante sete anos. Participou de vários salões e exposições em todo o mundo, tornando-se membro da Associação Nacional de Escritores e Artistas de Cuba e da Associação Internacional de Mestres de Belas Artes. 
Há trabalhos seus na galeria Tretyakov, em Moscou, na sede da UNESCO, em Paris, na National Gallery e na sede da ONU, em Nova York, e no Museu Nacional de Belas Artes de Havana, na coleção do Fundo Cubano de Patrimônio Cultural.







A ESTRELA


Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.


Manuel Bandeira


Este notável poeta do modernismo brasileiro nasceu em Recife, Pernambuco, no ano de 1886. Teve seu talento evidenciado desde cedo quando já se destacava nos estudos.
Durante o período em que cursava a Faculdade Politécnica em São Paulo, Bandeira precisou deixar os estudos para ir à Suíça na busca de tratamento para sua tuberculose. Após sua recuperação, ele retornou ao Brasil e publicou seu primeiro livro de versos, Cinza das Horas, no ano de 1917; porém, devido à influência simbolista, esta obra não teve grande destaque. 
Dois anos mais tarde este talentoso escritor agradou muito ao escrever Carnaval, onde já mostrava suas tendências modernistas. Posteriormente, participou da Semana de Arte Moderna de 1922, descartando de vez o lirismo bem comportado. Passou a abordar temas com mais encanto, sendo que muitos deles tinham foco nas recordações de infância. 
Além de poeta, Manuel Bandeira exerceu também outras atividades: jornalista, redator de crônicas, tradutor, integrante da Academia Brasileira de Letras e também professor de História da Literatura no Colégio Pedro II e de Literatura Hispano-Americana na faculdade do Brasil, Rio de Janeiro. 
Este, que foi um dos nomes mais importantes do modernismo no Brasil, faleceu no ano 1968.