Alex Gross





Ah, Onde Estou

  Ah, onde estou onde passo, ou onde não estou nem passo, 
  A banalidade devorante das caras de toda a gente! 
  Ah, a angústia insuportável de gente! 
  O cansaço inconvertível de ver e ouvir!
  (Murmúrio outrora de regatos próprios, de arvoredo meu.)
  Queria vomitar o que vi, só da náusea de o ter visto, 


Álvaro de Campos

Alex Gross








Quero Acabar

    Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância.
    Os crisântemos de depois, desfolhei-os a frio.
    Falem pouco, devagar.
    Que eu não oiça, sobretudo com o pensamento.
    O que quis?  Tenho as mãos vazias,
    Crispadas flebilmente sobre a colcha longínqua.
    O que pensei?  Tenho a boca seca, abstrata.
    O que vivi?  Era tão bom dormir!


Álvaro de Campos

Alex Gross





Depus a Máscara


    Depus a máscara e vi-me ao espelho. — 
    Era a criança de há quantos anos. 
    Não tinha mudado nada... 
    É essa a vantagem de saber tirar a máscara. 
    É-se sempre a criança, 
    O passado que foi 
    A criança. 
    Depus a máscara, e tornei a pô-la. 
    Assim é melhor, 
    Assim sem a máscara. 
    E volto à personalidade como a um términus de linha.


Álvaro de Campos

Alex Gross








Desfraldando ao conjunto fictício dos céus estrelados


Desfraldando ao conjunto fictício dos céus estrelados 
O esplendor do sentido nenhum da vida...
Toquem num arraial a marcha fúnebre minha! 
Quero cessar sem conseqüências... 
Quero ir para a morte como para uma festa ao crepúsculo.

Álvaro de Campos

Alex Gross








TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS


Todas as cartas de amor são
Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos

Alex Gross








Começo a conhecer-me. Não existo.


Começo a conhecer-me. Não existo. 
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,  
ou metade desse intervalo, porque também há vida ... 
Sou isso, enfim ...  
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor. 
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.  
É um universo barato.

Álvaro de Campos

Alex Gross








Às Vezes

    Às vezes tenho ideias felizes, 
    Ideias subitamente felizes, em ideias 
    E nas palavras em que naturalmente se despegam... 
 
    Depois de escrever, leio... 
    Por que escrevi isto? 
    Onde fui buscar isto? 
    De onde me veio isto?  Isto é melhor do que eu... 
    Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta 
    Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...


Álvaro de Campos

Alex Gross








Ali Não Havia


   Ali não havia eletricidade. 
   Por isso foi à luz de uma vela mortiça 
   Que li, inserto na cama, 
   O que estava à mão para ler — 
   A Bíblia, em português (coisa curiosa), feita para protestantes. 
   E reli a "Primeira Epístola aos Coríntios". 
   Em torno de mim o sossego excessivo de noite de província 
   Fazia um grande barulho ao contrário, 
   Dava-me uma tendência do choro para a desolação. 
   A "Primeira Epístola aos Coríntios" ... 
   Relia-a à luz de uma vela subitamente antiquíssima, 
   E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim... 
   Sou nada... 
   Sou uma ficção... 
   Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo? 
   "Se eu não tivesse a caridade." 
   E a soberana luz manda, e do alto dos séculos, 
   A grande mensagem com que a alma é livre... 
   "Se eu não tivesse a caridade..." 
   Meu Deus, e eu que não tenho a caridade! ...


Álvaro de Campos

Alex Gross






Ah, Onde Estou

  Ah, onde estou onde passo, ou onde não estou nem passo, 
  A banalidade devorante das caras de toda a gente! 
  Ah, a angústia insuportável de gente! 
  O cansaço inconvertível de ver e ouvir!
  (Murmúrio outrora de regatos próprios, de arvoredo meu.)

  Queria vomitar o que vi, só da náusea de o ter visto, 
  Estômago da alma alvorotado de eu ser...


Álvaro de Campos

Alex Gross







Ah, um Soneto...


    Meu coração é um almirante louco  
    que abandonou a profissão do mar  
    e que a vai relembrando pouco a pouco  
    em casa a passear, a passear ... 

    No movimento (eu mesmo me desloco  
    nesta cadeira, só de o imaginar)  
    o mar abandonado fica em foco  
    nos músculos cansados de parar. 


    Há saudades nas pernas e nos braços. 
    Há saudades no cérebro por fora. 
    Há grandes raivas feitas de cansaços. 


    Mas — esta é boa! — era do coração 
    que eu falava...  e onde diabo estou eu agora 
    com almirante em vez de sensação? ...


Álvaro de Campos


Alex Gross







A Praça

    A praça da Figueira de manhã, 
    Quando o dia é de sol (como acontece 
    sempre em Lisboa), nunca em mim esquece, 
    Embora seja uma memória vã.
    Há tanta coisa mais interessante 
    Que aquele lugar lógico e plebeu, 
    Mas amo aquilo, mesmo aqui ... Sei eu 
    Por que o amo?  Não importa.  Adiante ...

    Isto de sensações só vale a pena 
    Se a gente se não põe a olhar para elas.   
    Nenhuma delas em mim serena...

    De resto, nada em mim é certo e está 
    De acordo comigo próprio.  As horas belas 
    São as dos outros ou as que não há.


Álvaro de Campos

Alex Gross






A plácida face anônima de um morto.

Assim os antigos marinheiros portugueses,
Que temeram, seguindo contudo, o mar grande do Fim,
Viram, afinal, não monstros nem grandes abismos,
Mas praias maravilhosas e estrelas por ver ainda.


O que é que os taipais do mundo escondem nas montras de Deus?


Álvaro de Campos




Alex Gross

Alex Gross está baseado em Los Angeles, Califórnia. Em 1990, formou-se com destaque no Art Center College of Design, em Pasadena. A partir daí, teve seis exposições individuais em diversas galerias, participando de dezenas de exposições em todo o mundo. No verão de 2007 foi realizada sua primeira grande retrospectiva, em Santa Ana, Califórnia.

Em 2006, Chronicle Books publicou sua primeira monografia, The Art of Alex Gross. Seu segundo livro de arte, Discrepancies, publicado pela Gingko Press, inclui uma introdução assinada por Doug Harvey, crítico do LA Weekly Art e destaca mais de 50 novas imagens, incluindo óleos, esboços e trabalhos variados.