Pablo Picasso

Pablo Picasso






A MESA


O jornal dobrado
sobre a mesa simples;
a toalha limpa,
a louça branca

e fresca como o pão.

A laranja verde:
tua paisagem sempre,
teu ar livre, sol
de tuas praias; clara

e fresca como o pão.

A faca que aparou
teu lápis gasto;
teu primeiro livro
cuja capa é branca

e fresca como o pão.

E o verso nascido
de tua manhã viva,
de teu sonho extinto, ainda leve, quente

e fresco como o pão



João Cabral de Melo Neto


Pablo Picasso








AS NUVENS 


As nuvens são cabelos
crescendo como rios;
são os gestos brancos
da cantora muda;

são estátuas em vôo
à beira de um mar;
a flora e a fauna leves
de países de vento;

são o olho pintado
escorrendo imóvel;
a mulher que se debruça
nas varandas do sono;

são a morte (a espera da)
atrás dos olhos fechados;
a medicina branca!
nossos dias brancos.


João Cabral de Melo Neto

Pablo Picasso









Artista Inconfessável


Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre fazer e não fazer
mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil, e bem sabendo
que é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil 
do que não fazer, e difícil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.


João Cabral de Melo Neto

Pablo Picasso








A VIAGEM 


Quem é alguém que caminha
toda a manhã com tristeza
dentro de minhas roupas, perdido
além do sonho e da rua?

Das roupas que vão crescendo
como se levassem nos bolsos
doces geografias, pensamentos
de além do sonho e da rua?

Alguém a cada momento
vem morrer no longe horizonte
de meu quarto, onde esse alguém
é vento, barco, continente.

Alguém me diz toda a noite
coisas em voz que não ouço.
Falemos na viagem, eu lembro.
Alguém me fala na viagem.


João Cabral de Melo Neto

Pablo Picasso







O POETA


No telefone do poeta
desceram vozes sem cabeça
desceu um susto desceu o medo
da morte de neve.

O telefone com asas e o poeta
pensando que fosse o avião
que levaria de sua noite furiosa
aquelas máquinas em fuga.

Ora, na sala do poeta o relógio
marcava horas que ninguém vivera.
O telefone nem mulher nem sobrado,
ao telefone o pássaro-trovão.

Nuvens porém brancas de pássaros
acenderam a noite do poeta
e nos olhos, vistos de fora, do poeta
vão nascer duas flores secas.


João Cabral de Melo Neto

Pablo Picasso







O Último Poema


Não sei quem me manda a poesia
nem se Quem disso a chamaria.

Mas quem quer que seja, quem for
esse Quem (eu mesmo, meu suor?),

seja mulher, paisagem ou o não
de que há que preencher os vãos.

fazer, por exemplo, a muleta
que faz andar minha alma esquerda,

ao Quem que se dá à inglória pena
peço: que meu último poema

mande-o ainda em poema perverso,
de antilira, feito em antiverso.


João Cabral de Melo Neto


Pablo Picasso








Poema da Noite


Trouxe o sol à poesia 
mas como trazê-lo ao dia? 
No papel mineral 
qualquer geometria 
fecunda a pura flora 
que o pensamento cria. 
Mas à floresta de gestos 
que nos povoa o dia, 
esse sol de palavra 
é natureza fria. 
Ora, no rosto que, grave, 
riso súbito abria, 
no andar decidido 
que os longes media, 
na calma segurança 
de quem tudo sabia, 
no contato das coisas 
que apenas coisas via, 
nova espécie de sol 
eu, sem contar, descobria: 
não a claridade imóvel 
da praia ao meio-dia, 
de aérea arquitetura 
ou de pura poesia: 
mas o oculto calor 
que as coisas todas cria.


João Cabral de Melo

Pablo Picasso










A MULHER SENTADA


Mulher. Mulher e pombos.
Mulher entre sonhos.
Nuvens nos seus olhos?
Nuvens sob seus cabelos.
(A visita espera na sala;
a notícia, no telefone;
a morte cresce na hora;
a primavera, além da janela).
Mulher sentada. Tranqüila
na sala, como se voasse.


João Cabral de Melo Neto



Pablo Picasso









TECENDO O AMANHÃ


1.
Um galo sozinho não tece uma manhã: 
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos.

2.
E se encorpando em tela, entre todos, 
se erguendo tenda, onde entrem todos, 
se entretendendo para todos, no toldo 
 (a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo 
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


João Cabral de Melo Neto

Pablo Picasso









AUTOCRÍTICA


Só duas coisas conseguiram
(des)feri-lo até a poesia:
o Pernambuco de onde veio
e onde foi, a Andaluzia.
Um, o vacinou do falar rico
e deu-lhe a outra, fêmea e viva,
desafio demente: em verso
dar a ver Sertão e Sevilha


João Cabral de Melo Neto

Pablo Picasso



Pablo Picasso


O artista espanhol Pablo Picasso (25/10/1881-8/4/1973) destacou-se em diversas áreas das artes plásticas: pintura, escultura, artes gráficas e cerâmica. Picasso é considerado um dos mais importantes artistas plásticos do século XX.
Nasceu na cidade espanhola de Málaga. Fez seus estudos na cidade de Barcelona, porém trabalhou principalmente na França. Seu talento para o desenho e artes plásticas foi observado desde sua infância.
Suas obras podem ser divididas em várias fases, de acordo com a valorização de certas cores. A fase Azul (1901-1904) foi o período onde predominou os tons de azul. Nesta fase, o artista dá uma atenção toda especial aos elementos marginalizados pela sociedade. Na Fase Rosa (1905-1907), predomina as cores rosa e vermelho, e suas obras ganham uma conotação lírica. Recebe influência do artista Cézanne e desenvolve o estilo artístico conhecido como cubismo. O marco inicial deste período é a obra Les Demoiselles d'Avignon (1907), cuja característica principal é a decomposição da realidade humana.

Em 1937, no auge da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), pinta seu mural mais conhecido: Guernica. Esta obra já pertence ao expressionismo e mostra a violência e o massacre sofridos pela população da cidade de Guernica.
Na década de 1940, volta ao passado e pinta diversos quadros retomando as temáticas do início de sua carreira. Neste período, passa a dedicar-se a outras áreas das artes plásticas: escultura, gravação e cerâmica. Já na década de 1960, começa a pintar obras de artes de outros artistas famosos: O Almoço Sobre a Relva de Manet e As Meninas do artista plástico Velásquez, são exemplos deste período.
Já com 87 anos, Picasso realiza diversas gravuras, retomando momentos da juventude. Nesta última fase de sua vida, aborda as seguintes temáticas: a alegria do circo, o teatro, as tradicionais touradas e muitas passagens marcadas pelo erotismo. Morreu em 1973 numa região perto de Cannes, na França.




Frases de Pablo Picasso

Todos sabemos que a arte não é verdade. Ela representa a mentira que nos faz perceber a verdade; pelo menos a verdade que nos é dado entender.

A pintura nunca é prosa. É poesia que se escreve com versos de rima plástica.

A arte é a mentira que nos permite conhecer a verdade.

Eu não evoluo, sou.

Eu não procuro. Descubro.


Pablo Picasso






Homenagem a Picasso



O esquadro disfarça o eclipse
que os homens não querem ver.
Não há música aparentemente
nos violinos fechados.
Apenas os recortes dos jornais diários
acenam para mim como o juízo final.


João Cabral de Melo Neto



João Cabral de Melo Neto (Recife, 9 de janeiro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1999) foi um poeta e diplomata brasileiro. Sua obra poética, que vai de uma tendência surrealista até a poesia popular, porém caracterizada pelo rigor estético, com poemas avessos a confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes, inaugurou uma nova forma de fazer poesia no Brasil.
Irmão do historiador Evaldo Cabral de Melo e primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre, João Cabral foi amigo do pintor Joan Miró e do poeta Joan Brossa. Membro da Academia Pernambucana de Letras e da Academia Brasileira de Letras foi agraciado com vários prêmios literários. Quando morreu, em 1999, especulava-se que era um forte candidato ao Prêmio Nobel de Literatura.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Cabral_de_Melo_Neto

Poemas retirados do livro

Melhores Poemas
João Cabral de Melo Neto
Seleção- Antonio Carlos Secchin
Editora Global.