Olga Oreshnikov








Olga Oreshnikov

 

  

  


Amargo Cansaço

Em homenagem a Fernando Pessoa e das muitas lembranças de seu "Poema em Linha Reta”


Esqueci do trabalho no dia de hoje
Esqueci mesmo...
Estava cansado e me atrapalhei com o tempo sujo
Me perdi no espaço nojento da vida

Um mal-estar invadiu minha alma atrapalhada
Uma náusea misturou a vida, espancando meu peito, meu jeito...
A culpa tomou meu espírito e pensei em Deus
Triste é o fim daqueles que são cobrados pelo trabalho

Horrorizado devido a incompetência da voz alheia
Que vomita palavras levianas sem saber dos acontecimentos
Sinto a culpa e a incompetência lúgubre de um corpo sem movimento
E por pouco não assassino o que resta de responsável em mim

A infelicidade faz parte de minha simples vida de ser humano
As cobranças não param e tal como as correntes do mar, aparecem mais fortes à noite
Sacudido pelo vento da perseverança, a mente dispara a adrenalina no corpo frágil
Corpo que trabalhar não foi. Estava cansado... arrebentado...

Mas os bípedes humanos não nutrem a compaixão
As organizações desejam resultados efêmeros e de pouca serventia
Acobertadas pelo manto da hiper-realidade pregam o nosso tendão
Esbofeteados pela vida, os seres humanos se apegam como se cachorros fossem...

Perdemos a capacidade de sentir pelo outro. Esquecemos a humanidade.
Não podemos errar? Não devemos demonstrar nossa vulnerabilidade? Onde estão os seres humanos?
É disso que é feito a vida? Faz sentido andar em linha reta?
Triste fim de mais um "Policarpo Quaresma" (Lima Barreto).

Lúcio Alves de Barros


Poeta

Lúcio Alves de Barros
Belo Horizonte/MG – Brasil

* Lúcio Alves de Barros é licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela UFJF, mestre em Sociologia e doutor em Ciências Humanas: Sociologia e Política pela UFMG. É autor do livro “Fordismo: origens e metamorfoses”. Piracicaba, SP: Ed. UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba), 2004, organizador do livro “Polícia em Movimento”. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006, co-autor do livro de poesias, “Das emoções frágeis e efêmeras”. Belo Horizonte: Ed. ASA, 2006 e organizador da obra “Mulher, política e sociedade”. Brumadinho: Ed. ASA, 2009.

Lúcio Alves de Barros
Publicado no Recanto das Letras em 13/09/2009
Código do texto: T1808312


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Artista Plástica
Olga Oreshnikov nasceu em St. Petersburg, Russia.
    Formada pela renomada Art Academy of St. Petersburg, pretence à terceira geração de Victor Michailovich Oreshnikov, que dirigiu a    Academia por cerca de 25 anos. Olga exibe seus trabalhos com frequência na Inglaterra, Estados Unidos e Israel e seus trabalhos estão expostos em museus e galerias.

Contato
Mail address:  ANIAM12495, Israel
    Phone: 00-972-4-6921934
    Fax:     00-972-4-6921020

   
E-mail: olga@studioart.co.il
    E-mail: hn_or@yahoo.co.il


Olga Oreshnikov

 

  

  

 

 


Demora cinza


Demorei três horas para beijar os lábios dela
Faltou-me tempo para contar os fios do belo cabelo
Como faltou tempo resolvi penteá-los
Pensei nas montanhas de Minas
Nos cabelos de cachoeira
Comecei a contar os poros dos seus seios
Verificar as curvas que esconde
A grande anca que sustenta
O sorriso aberto e largo que me oferece
E implorei para dormir em sua nuca
Ali encontrei a gruta em paz
Fiquei quietinho esperando o tempo macabro passar
Até que pensei em dormir para sempre
Acordei morrendo na manhã cinza do inverno que se aproxima
O tempo, meu maior inimigo, passou
Ela novamente beijou minha testa triste
Fechou a porta, tapou a nuca
E tive que enfrentar a humanidade,
a finitude e a podridão que é este mundo dos bípedes humanos


Lúcio Alves de Barros


Olga Oreshnikov

 

  

  


O sorriso em movimento




O sorriso de esmeraldas teima em não se abrir no interior do coletivo.

Vítima dos solavancos sem fim, a bela se apega às janelas que passam.

O perfil tenso e forte paulatinamente se rende aos largos lábios que abrem

Brincos cintilantes balançam conforme o repousar das rodas grandes do veículo

A multidão cega se aglomera e dá de costas ao belo sorriso que ilumina o ônibus

Aos poucos, os cegos viajantes vão deixando o navio, um após o outro.

Ponto a ponto desce mais um do navio negreiro entupido de gente

O próximo ponto parece ser o dela

Com pés finamente fincados no corredor, ela se contorce entre os que bloqueiam sua passagem

Aperta os olhos e os lábios, outrora abertos e em luz,

Puxa a cordinha azul e novamente as pérolas se abrem

Decidida vai colocando finamente o corpo diante dos que estão frente ao seu.

Delicadamente vai descendo, apega-se ao corrimão e um degrau após outro se vai...

Tal como a brisa da manhã que acorda minha saudade.




Lúcio Alves de Barros


Olga Oreshnikov

 

  

  


 
Da insignificância de minha vida

“É tão belo como um sim / numa sala negativa.
... Belo por que é uma porta / abrindo-se em mais saídas...”.
(João Cabral de Melo Neto)


Desejo ser um poeta como Pablo Neruda
Quero sentir a humanidade de Álvares de Azevedo
Escrever com sangue tal como Clarice Lispector
Delicadamente como Cecília Meireles e Ferreira Gullar
Sensivelmente como Cora Coralina
Amar como Carlos Drummond de Andrade e Vinícius de Moraes
Se entregar como Camilo Castelo Branco
Sofrer na alma como Augusto dos Anjos
Falar como Gregório de Matos
Instigar como Adélia Prado
Ver como Fernando Pessoa e Mário Quintana
Atingir o estômago como faz Florbela Espanca
Sujar as mãos como Bertold Brecht
Limpar a alma como Dostoievski, Sartre ou Camus
Morrer como Murilo Mendes
Viver como Chico Buarque
Descrever como Euclides da Cunha
Enlouquecer como Lima Barreto
Elucidar como Machado de Assis
Tornar-me íntegro como Gilberto Freyre e Florestan Fernandes
Otimista como Adriano Suassuna e Darcy Ribeiro
Ser incansável como João Guimarães Rosa e Graciliano Ramos
Realista como Castro Alves e João Cabral de Melo Neto
Tocar como Tom Jobim
Cantar como Elis Regina...
Diante de tanta divindade... é belo ser insignificante.


Lúcio Alves de Barros


Olga Oreshnikov

 

  

  

  

  



Assanhadinha


Lá estava ela, toda danadinha
Cabelos de cachoeira ao vento andava toda soltinha
Era bonitinha, meio gordinha e fofinha
Mas estava meio doidinha

Apaixonada e maravilhada
Ficou animada, pois amada sentiu-se superestimada
Ardia de desejo que se torturava
Em meio aos homens sua pele flor de janela exalava.

Preocupada e desejada
Ficou apaixonada e desesperada
Cheia de amor não percebeu que por um anjo foi fisgada
Enamorada, aproveitou a chance deseducada

Com João, ela gritou e gemeu
Muito mais animada e feliz, fez e aconteceu
Em um belo dia de lua morna, a virgem disse que nada doeu.
E no final da madrugada. Deus, a ela e a ele, conheceu.

Assanhadinha com o tempo logo cresceu
Educada e alinhada, ao João, o pai conheceu
Com o tempo pensou que o mundo a esqueceu
Após o nascimento da filhinha, Assanhadinha entristeceu.


Pensou que o amor sustentaria a barriga que desenvolveu
Com o passar dos dias João enlouqueceu
Ela sentiu que um novo amor apareceu
A sua filha linda, de olhos claros, nela reacendeu.

Hoje ela trabalha, estuda e, longe do amado, pouco descansa
A pele anda seca e o belo cabelo cortado revela que a vida não é mansa
Jovem e adulta a bela cultiva a perseverança
A sua filha, o maior amor da sua vida, deu o nome de esperança.


Lúcio Alves de Barros

Olga Oreshnikov

 

  

  


A verdade que dói


A verdade é essa:
Ao silêncio estamos fadados
À crueldade nua e pura
A democracia é uma ilusão
A justiça uma farsa
A igualdade uma falácia
A liberdade uma retórica
A honestidade é para poucos
A sociedade é a do silêncio apático
As pessoas esperam somente um deslize
As sádicas e perversas aguardam uma palavra
Assim podem denunciar e gozar com o sofrimento alheio
Ao sabor dos ventos sentem prazer em acabar com reputações
À sua vontade, com ajuda de iguais, pedem sua morte
A situação parece drástica
A questão sustenta contornos subjetivos, mas não é...
A verdade crua é o obrigatório calar, cabendo ao diferente, se rebaixar ante as injustiças
Acabaram com a lealdade
A mentira, a hipocrisia e a maldade tornaram-se irmãs
Acertaram em cheio a compaixão
Atacaram a PAZ e a humanidade
A busca incessante é para ter e aparecer
A imbecilidade venceu
Abre-se mão do ser em favor do espetáculo histérico e sem lugar
Acaba-se como o outro sem pena, rancor e remorso
A alteridade, berço da diferença, vive no pronto-socorro...
Aos pais e mães aparecem o medo, a insegurança e o pavor
Aos intelectuais segue o suicídio espiritual
Aos professores as doenças e a desistência cega e macabra
Aos que desejam mudar a esperança pobre e seca de metamorfoses que jamais virão.


Lúcio Alves de Barros


Olga Oreshnikov

 

  

  

  

  

Letras no seu (meu) corpo

Em homenagem a ela e, aproveitando, a Chico Buarque de Holanda


É lindo o seu belo e majestoso corpo
é possível escrever em sua pele
o nome da gente e dos que estão por vir
É bom apagar a narrativa somente no banho
esfregando as letras que saem em doces suspiros
Letras que não deveriam sair
Desejo é que elas finquem moradia no corpo, tal como as cicatrizes e as tatuagens.

Somente a poesia pode revelar as curvas das avenidas que esconde
Lembram as montanhas de Diamantina
O colorido lá longe do pôr do sol
A lua de Salvador
O mar espumado de São Luiz
A areia fina de Cabo Frio
O fogo eterno que queima a terra no sertão

Em sua pele descanso minha pena
É inevitável o arrepio que causa minha escrita fraca
Ela me abate e as letras vivas como as veias se movimentam.
O corpo se vira para dar passagem à tinta fresca,
ao carinho divino e a compaixão da reciprocidade.

Remexendo o corpo vai dando lugar a novas frases e contundentes esculturas,
novas e novas metáforas entram pelos poros.
Vejo os detalhes da vida e no retirar das letras com água ainda morna,
no banho cheio de espumas, a vida não se esvai.
De certa forma marquei sua pele, o espírito sentiu e o coração também.
Minha pena secou e deixou para sempre a saudade no vazio inacabado de minha alma.



Lúcio Alves de Barros