Alex Alemany








PACTO

Daquele que amo
quero o nome, a fome
e a memória. Quero
o agora. O dentro e o fora,
o passado e o futuro.
Quero tudo: o que falta
e o que sobra
o óbvio e o absurdo.


Maria Esther Maciel

Alex Alemany










KOAN

Entre as coisas que voam
e as coisas que ficam
             vôo e fico.

Maria Esther Maciel


Alex Alemany








Eclipse

A lua desliza
sob as sombras
do sol
             que não há:
luz de escuros
véu para o olhar
que não vê

                  senão
a cor lilás
da noite

               que reluz
num verso
de Éluard


Maria Esther Maciel



Alex Alemany









CONCEITO  

Teu corpo:

um porto
que eterniza
meus navios

um parto
que traduz
o meu avesso

a parte
que arremata
meu desejo.

Maria Esther Maciel

Alex Alemany








OFÍCIO

Escrever
a água
da palavra mar
o voo
da palavra ave
o rio
da palavra margem
o olho
da palavra imagem
o oco
da palavra nada.

Maria Esther Maciel

Alex Alemany








Desvio

Um pássaro atravessa
a página, no lapso
deste tempo que me retém.
Em que palavra não estou?

Maria Esther Maciel

Alex Alemany








AMOR   

Na véspera de ti
eu era pouca
              e sem
sintaxe
eu era um quase
          uma parte
sem outra
             um hiato
de mim.

No agora de ti
             aconteço
tecida em ponto
                cheio
um texto
com entrelinhas
            e recheio:

um preciso corpo
um bastante sim.

              
Maria Esther Maciel

Alex Alemany






MANUSEIO

Tépidas
essas mãos
que divagam
devagar
por meus relevos
óbvios
e demoram
fundo
no obscuro
ponto
onde o corpo
se abisma
e silencia,
absurdo.

Maria Esther Maciel

Alex Alemany






ELEGIA   

Há um vestígio mineral
na sua ausência: algo
que sem estar ainda
fica: fatia de cristal

que não se vê e brilha:
solidez em transparência
elegância de pedra, luz
do que é perda e não.

Há um vestígio musical
na sua ausência: algo
que é sigilo e ressonância:

sintonia de cristais
sílabas de sim no
silêncio do som e do aqui.

Maria Esther Maciel

Alex Alemany









AULA DE DESENHO

Estou lá onde me invento e me faço:
De giz é meu traço. De aço, o papel.
Esboço uma face a régua e compasso:
É falsa. Desfaço o que fiz.
Retraço o retrato. Evoco o abstrato
Faço da sombra minha raiz.
Farta de mim, afasto-me
e constato: na arte ou na vida,
em carne, osso, lápis ou giz
onde estou não é sempre
e o que sou é por um triz.

Maria Esther Maciel

Alex Alemany





Contrato


Sombras que conheço:
Confio a vós
o meu excesso
o nome avesso
que me empresto
a imagem vária
que me dei.
Viajo ao longe
do que sou, além
do meu espanto
Levo a face
Deixo o espelho
e seu reflexo
Em vosso rosto
deposito
o meu assombro.


Maria Esther Maciel

Alex Alemany


Alex Alemany

Denotando profundo conteúdo poético, os elementos e formas de seus trabalhos são tratados com licença poética e o simbolismo utilizado é tão sutil que captura o espectador, estimulando sua capacidade de interpretar. Esta é uma obra que pode produzir qualquer efeito, exceto a indiferença, e a linguagem utilizada contribui para uma interpretação mais rica. Suas ecléticas aspirações o levaram a incursões esporádicas em outros estilos: composições formalísticas, pinturas sociais, expressionismo, etc...
Em meio a seu trabalho podemos encontrar muitos retratos nos mostrando seu amor pela figura humana. Mesmo em uma difícil maneira de pintar, Alex Alemany tem sido capaz de incluir a poesia em suas obras, dando ao retrato não apenas o aspecto físico do ser humano mas também sua personalidade e perfil psicológico, muito além do retrato acadêmico.

Alex Alemany nasceu em 5/01/1943 em Gandia (Valencia). Estudou Artes Plásticas entre 1961 e 1966 na “Real Academia de Bellas Artes de San Carlos”, em Valencia. Francisco Lozano, Enrique Ginesta, Genaro Lahuerta eFelipe Mª Garin, entre outros, foram seus professores. Viajou a Paris e Londres para um contato mais direto com artistas contemporâneos. Experimentou o expressionismo abstrato e várias tendências avant-garde, até alcançar seu estilo próprio e inconfundível, dentro do realismo, surrealismo e até hiper-realismo. Assumiu forte influência da fotografia, na maneira americana. Seu trabalho é conhecido como o elo perdido entre poesia e pintura, explorando sua sensibilidade, sentimentos e conceitos sob uma técnica preciosa. Com isso, faz com que o espectador entenda suas mensagens pela poesia metafórica, imagens subconscientes e universo onírico.

http://www.alexalemany.com/







ONDE O POEMA

Entre o nervo e o osso
Entre o eco e o oco
Entre o mais e o pouco
Entre a sombra e o corpo
Entre a voz e o sopro
Entre o mesmo e o outro.

Maria Esther Maciel

Escritora e professora de Teoria da Literatura e Literatura Comparada da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É mestre em Literatura Brasileira pela UFMG e doutora em Literatura Comparada pela mesma instituição, com Pós-Doutorado em Cinema pela Universidade de Londres. Integra o projeto internacional "Problematizing Global Knowledge -The New Encyclopaedia Project", do Theory, Culture & Society Centre, da Nottingham Trent University (Inglaterra). Suas publicações incluem os seguintes livros: As vertigens da lucidez - poesia e crítica em Octavio Paz; Vôo Transverso - poesia, modernidade e fim do século XX; A memória das coisas ensaios de literatura, cinema e artes plásticas; O cinema enciclopédico de Peter Greenaway (org.), O livro de Zenóbia (ficção), O livro dos nomes (ficção), O animal escrito (ensaio) e As ironias da ordem (ensaios). Foi Professora Residente do IEAT - Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da UFMG (2009/2010). Desenvolveu, como pesquisadora do CNPq, os projetos "Poéticas do Inventário" (2004/2007) e "Bestiários Contemporâneos - animais na literatura" (2007-2010). Seu projeto atual, com bolsa de Produtividade do CNPq, intitula-se "Zooliteratura brasileira: animais, animalidade e os limites do humano".