Margo Selski

Margo Selski





O poeta faz-se vidente através de um longo, imenso e sensato desregramento de todos os sentidos.

Arthur Rimbaud



Margo Selski








Flores


De um pequeno degrau dourado -,
entre os cordões
de seda,
os cinzentos véus de gaze,
os veludos verdes

e os discos de cristal que enegrecem como bronze
ao sol -, vejo a digital abrir-se sobre um tapete de filigranas
de prata, de olhos e de cabeleiras.

Peças de ouro amarelo espalhadas sobre a ágata, pilastras
de mogno sustentando uma cúpula de esmeraldas,
buquês de cetim branco e de finas varas de rubis
rodeiam a rosa d'água.

Como um deus de enormes olhos azuis e de formas
de neve, o mar e o céu atraem aos terraços de mármore
a multidão das rosas fortes e jovens.

Arthur Rimbaud


Margo Selski





Manhã


Não tive eu uma vez uma juventude amável, heróica, fabulosa, a escrever sobre folhas de ouro — muita sorte! Por que crime, por que erro, terei merecido a minha fraqueza atual? Vocês que pretendem que bichos soltam soluços de tristeza, que doentes desesperam, que mortos sonham mal, tentem contar a minha queda e meu sono. Eu não posso me explicar mais do que o mendigo com seus contínuos Pater e Ave Maria. Não sei mais falar!
No entanto, hoje, creio ter terminado o relato do meu inferno. Era mesmo o inferno; o antigo, aquele que o filho do homem abriu as portas. Do mesmo deserto, à mesma noite, sempre meus olhos cansados acordam à estrela de prata, sempre, sem que se emocionem os Reis da vida, os três magos, o coração, a alma, o espírito. Quando iremos, para lá das praias e dos montes, saudar o nascimento do trabalho novo, a sabedoria nova, a fuga dos tiranos e dos demônios, o fim da superstição, adorar — os primeiros — Natal sobre a terra! O canto dos céus, a marcha dos povos! Escravos, não vamos amaldiçoar a vida.

Arthur Rimbaud


Margo Selski








"Chove, de manso, na cidade"


Chora em meu coração
como chove lá fora.
Porque esta lassidão
me invade o coração?

Oh! ruído bom da chuva
no chão e nos telhados!
Para uma alma viúva,
oh! o canto da chuva!

E chora sem razão
meu coração amargo.
Algum desgosto? - Não!
É um pranto sem razão.

E essa é a maior dor,
não saber bem por que,
sem ódio sem amor,

eu sinto tanta dor.


Arthur Rimbaud

Margo Selski









Cabeça de fauno


Na folhagem, estojo verde de ouro manchado,
Na folhagem incerta e florida

De esplêndidas flores onde o beijo dorme,

Vivo e rasgado o precioso bordado,


Um fauno assustado mostra os seus olhos
E morde as flores vermelhas com seus dentes brancos.

Moreno e sangrento como um vinho velho

O seu lábio estoura em risos sob os galhos.

E quando fugiu — feito um esquilo —
O seu riso treme ainda em cada folha,
E vê-se amedrontado por um grilo
O Beijo de ouro do Bosque, que se recolhe.

Arthur Rimbaud

Margo Selski

Margo Selski






Raivas de Césares

O homem pálido, ao longo de canteiros floridos,
Caminha, de vestido negro e um charuto nos dentes:
O homem pálido lembra das flores de seu castelo banido

E às vezes seu olho sem brilho tem olhares ardentes...


Pois o Imperador está bêbado de seus vinte anos de orgia!

Ele havia dito: "Vou assoprar a Liberdade

Muito delicadamente, como vela de vigia!"
A Liberdade renasce! Ele se sente quebrado!


Ele está preso. — Oh! que nome em seus lábios mudos
Treme? Que remorso implacável o morde?
Não saberemos. O Imperador tem o olho morto.

Ele pensa talvez no Compadre de óculos graúdos...
— E olha fugir de seu charuto que arde,
Como nas noites de seu Palácio, um fino vapor azul e torto.
Para... Ela

Arthur Rimbaud

Margo Selski






A estrela chorou rosa...


A estrela chorou rosa no coração de teus ouvidos
O infinito rolou branco de tua nuca a teus rins
O mar orvalhou ruivo em teus seios tingidos
E o homem sangrou negro nos teus flancos paladins

Arthur Rimbaud

Margo Selski






Sensação


Pelas noites azuis de verão,
irei em atalhos sob a lua,

Picotado pelos trigos,
pisar a grama pequena:
Sonhador, sentirei nos pés o frescor que acena.
Deixarei o vento banhar minha cabeça nua.

Não falarei, não pensarei em nada sequer:
Mas me subirá na alma o amor soberano,

E irei longe, bem longe, feito um cigano, Pela Natureza —
feliz como se estivesse com uma mulher.



Arthur Rimbaud

Margo Selski





Partida

Farto de ver. A visão que se reencontra em toda parte.
Farto de ter. O ruído das cidades, à noite, e ao sol, e sempre.
Farto de saber. As paradas da vida. - Ó Ruídos e Visões!
Partir para afetos e rumores novos.


Arthur Rimbaud





Margo Selski




Minha boêmia
(Fantasia)

Eu ia, os punhos nos meus bolsos furados;
Meu paletó também se tornava ideal;
Ia sob o céu, Musa! eu te era leal;
Oh! lá lá! quantos esplêndidos amores foram sonhados!

Minhas únicas calças tinham um largo remendo.
— Pequeno-Polegar sonhador, semeava na minha corrida
Rimas. A Ursa Maior me dava a acolhida.
— Minhas estrelas no céu sussurravam tremendo.

E eu as escutava, sentado à beira das estradas,
Nestas boas noites de setembro sentia gotas amadas
De orvalho na minha fronte, como de um vinho a canção;

Onde, rimando entre vultos fantásticos,
Como liras, eu puxava os elásticos
De meus sapatos feridos, um pé perto do meu coração!

Arthur Rimbaud