Jean-Claude Desplanques




CERTO MAR


O mar não me quer,
O mar não sei por que me abomina,
O mar autárquico:
Ele me atira barbatanas e algas podres,
Destroços de manequins e papéis velhos,
Arrastando para longe barco e sereia.
O mar tem idéias singulares sobre mim,
Manda-me recados insolentes
Em garrafas há muito esquecidas e sujas.
Suprime de repente o veleiro de 1752
Que vinha beirando o cais.


Suprime o veleiro e um bando de fantasmas
- Eu bem sei -
Únicos, polidos, um quase nada solenes.
Não tolero mais este safado,
Nem mesmo o admito no outro mundo:
Felizmente a eternidade é límpida,
Sem praia e sem lamentos.
Hei de espiá-lo da Grande rosácea,
Hei de vê-lo um dia lá embaixo,
Inútil: espremida esponja, carcaça de canoa,
Avesso de fotografia.


Murilo Mendes
 (Parábola, in Poesias, 1959)

Um comentário:

Ana Valeska disse...

Querida, desbumbrante seu Blog. Encontrei aqui a mais bela arte e poesias. Muito proveitoso e prazeroso visitar aqui. Admiração e carinho por você.