Moki






Encantamento


Vi as mulheres 
azuis do equinócio 
voarem como pássaros cegos; e os seus corpos 
sem asas afogarem-se, devagar, nos lagos 
vulcânicos. Os seus lábios vomitavam o fogo 
que traziam de uma infância de magma 
calcinado. A água ficava negra, à sua volta; 
e os ramos das plantas submersas pelas chuvas 
primaveris abraçavam-nas, puxando-as num 
estertor de imagens. Tapei-as com o cobertor 
do verso; estendi-as na areia grossa 
da margem, vendo as cobras de água fugirem 
por entre os canaviais. Espreitei-lhes 
o sexo por onde escorria o líquido branco 
de um início. Pude dizer-lhes que as amava, 
abraçando-as, como se estivessem vivas; e 
ouvi um restolhar de crianças por entre 
os arbustos, repetindo-me as frases com uma 
entoação de riso. Onde estão essas mulheres? 
Em que leito de rio dorme os seus corpos, 
que os meus dedos procuram num gesto 
vago de inquietação? Navego contra a corrente; 
procuro a fonte, o silêncio frio de uma génese.


Nuno Júdice

2 comentários:

katerine disse...

Fico emocionada ao entrar em contato com uma obra de arte de gosto tão puro e raro. Lindo demais!

Maria Augusta Ribeiro Canela disse...

Parabéns! Fada do Mar Suave! Você é perfeita em suas pesquisas e formatações e nos emocionam e encantam com seu espaço cultural.
Amo ser sua seguidora.