Agnes Boulloche




Hoje

Quero escrever hoje, não me interrompam, já o fizeram demais.
Quero escrever hoje todas as palavras adormecidas, frases feitas, expressões contidas.
Quero deixar os rabiscos, as histórias sem sentido, como as panelas lavadas em seu brilho e a louça guardada, exatamente, em seu lugar.

Quero escrever a poesia do dia, dos varais, dos mercados, da padaria.
Toda a poesia, de todo dia, todo o valor que à alma empresta, o teu labor.
Quero escrever o que resta, o que falta, o que ficou.
Preciso desatar o nó, desfazer as rimas, que alternam em assonância.
Mais que tudo, preencher a página, relegar ao texto o melhor que ficou.

Não pode mais o poeta ser um fingidor, não pode o poeta inventar a própria dor.
Não pode escrever em máscaras profanas de jardins santos.
Poeta que é poeta se desnuda e não descuida, dá veracidade à cotidianidade.
A paixão que era pura era mentira e já morreu, o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou.
A hora de cirandar chegou...


Kátia Torres Negrisoli



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