Margarida Cepêda





Cantinela

S'imbora entoar uma canção de ninar gente grande
Embalar os sonos de breves instantes.
Passear em teus olhos, pernoitar em tuas faces,
Cantando ajeitados os derradeiros.

E nesta cantilena preservar o tempo,
Configurar a névoa, em frias cadências,
Identificar o gosto, o álacre formado
Na açucena que reverbera no teu céu palatal.

E cantando e vociferando o cântico
Cantar-te-ei ligeiro e embalar-te-ei docemente,
Observando o balançar da cortina,
Deixando as réstias ornadas de sol
na frágua manhã, ainda, primaveril!
Ornar os teus lábios, os teus seios, teus navios.

Há um sabor álacre, há um adocicado.
Há o som do vento.
O imaginar-se, o fechar de olhos,
O barulho tênue que atravessa a vidraça.
Há o teu semblante, a rua, as alamedas.
Há o teu perfume sutil atravessando esquinas.
Há o citrino da manhã de abril.
E também o desmaio um quase febril. Um encanto. Uma atmosfera.

Há o adormecer, o pertencer a esta imagem evocada do acaso.
Da plena e intempérie bonança.
A palavra, a miragem. Há a fim a risada, o vinho decorado de champagne.
Sem ornelas, sem azeitonas, há cerejas.

Há as ligeiras, as farpas, as domingueiras, as muitas manhãs do teu nome, os muitos desdobramentos de menina um tanto.
Há neste algoz um bom dia, neste trato tua tinta, neste abraço tua menina, uma jardineira em flor. Uma camélia desmaiada, uma figura, um traço, um perfil. Um sobrancelho, um cartaz, um aviso.

Há esta parada que não se sente.
Doce lado envolvente e a canção.
Que fica a martelar, a canção alegre. A canção.
Só há canção. Só há canção. Só há canção.

Só há ... muita festa, muito jeito, muita ligeireza, esnobando a estreiteza.
Um teu pensamento em meu volátil verso.
O meu acamado e doce espanto, o ar de abril adamantino.
A espetacular presença de uma mesma outra vez mais jogada aqui, metaforizada na cantiga e neste luto adormece,
Uma paz e ... apraz.



Kátia Torres Negrisoli





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