Arte e Poesia do Rio Grande do Norte (Dorian Gray Caldas)






Eu sou filha de algo
E com minhas aias
Passeio em vergéis
Como a cotovia
Voando nos céus.
E às margens do Douro
Belas flores colho.
Minha louçania
Posta em frescas faces
(Rosas escarlates).
Os cabelos de oiro
Que do sol foi junto,
Este azul dos olhos
E os lábios, carmim;
Mais talhe de junco
Promessas já são
Pra belo fidalgo
A quem sonho amalgo.


Descuidada estive
Do azatar sem pejo
Quando pelo rio
Seu semblante vejo.
— Senhor, meu senhor,
Que aqui passais,
De paz ou de guerra?
— De paz, descansai.
— Que vos empenhais?
— Procuro a Florinda
Linda flor tão linda
Que canta em versos e aí
Segrel e jogral.


— Para que buscais
Florinda, se ainda
Corre descuidada
Em floridos prados,
Se ela é tão menina?
(Ah! tremor que treme
O primeiro amor
Dos anos primevos!)

— Quero ver Florinda
Que tem por irmão
Reitor em Coimbra,
Vestes de ermitão.
E por irmã tem
Claro o corpo, clara
Alma enclausurada
Irmã Maria Clara.
— Senhor que passais
Com trotar ligeiro
De bel montaria,
Estandartes altos,
Sons alvissareiros
Mais cristais que o dia;
Se quereis saber
Onde está Florinda
Debruçai ao rio
Vede que menina
Este espelho ensina
Abraçando flores.

Pés não correm, voam
Como aves do céu
E nuvens da tarde
Em álacre alarde.


— Oh! grácil donzela
Que o peito queima
Já sangue em procela
Por formoso anjo;
De sereia a voz
A filha de algo
Sois vós por acaso?
Também sou fidalgo
De muitos brasões
E herói tenho sido
Por Fé e Justiça.
Cicatrizes guardo
De liças e guardas.
— Que belo falar
Senhor, meu senhor.
Com tão belas gestas
E tão nobres gestos
Encantais Florinda.
Sinto vossas setas
No olhar cravadas
E no peito achadas.
— Vos quero esposar
Vosso pai o ver
E nisto falar
Mas quando eu voltar
Do mando d'el Rei,
Senhor português.
— Assentado está.
Agora, senhor,
Estando a correr
A rir e a cantar,
Terei por porfia
Por quem suspirar
E gaita tocar.


Que dias tecidos
De seda e alfinetes
De céus e abismos
Ausente o senhor!
E à Virgem queimando
Velas. Quanto tempo
Florinda inda espera
Ela que livre era?


Não corre em verdes
Nem as flores colhe.
Florinda recolhe
Lembranças de um rosto
E da fala, o gosto.


Onde as frescas faces
Rosas escarlates?
Quem no rio Douro
Ardor de azuolhos
Saudades recolhe?


Oh! Florinda linda
Flor de amor almada
Não mais leda nina
Já ao anseio dada.
Na janela espera
Quem as ondas levam
Do Tejo ao mar fero
Tormentas de mar
Rota das tormentas
No corpo, tormentos.
O peito em cuidados
— É ninho sem ave
Que ave no mar —
Em dias cumpridos
Suspiros sentidos


Eu antes menina
Correndo no prado.
Já hoje donzela
Em meu torreado.
Já não colho flores.
Florinda não sou
Nem me reconheço
Se no amor esqueço.
Oh! Virgem Maria
'Stou a definhar

No corpo, as carnes,
Na alma, o ansiar.
Florinda de corpo
Espetro a vagar.
Que a dor da saudade
Vera faz calar
E as faces molhar.



Por que é que tarda
Fidalgo senhor
Infiel traidor?
Mas eis, ouço ponte
Rangindo, baixar.
É o meu cavaleiro
Que vem me buscar

E esta lenda criar.


Florinda não sou
(Ah! tremor que treme
Peito, o vero amor!)
Ao senhor pertenço
Florinda não sou.
Como a cotovia
Alegre no céu
Para vós me vou.




Miryam Coeli



2 comentários:

Anice disse...

Seu blog esta maravilhoso. Parabéns, amiga! Tem tudo que gosto, telas, poesias...
Sucesso pra você.
bjOs

Anônimo disse...

ooie