Almada Negreiros






Ciúmes

Pierrô dorme sobre a relva junto ao lago. Os cisnes junto d'elle passam sede, não n'o acordem ao beber.

Uma
andorinha travessa, linda como todas, voa brincando rente á relva e beija ao passar o nariz de Pierrot. Ele acorda e a andorinha, fugindo a muito, olha de medo atrás, não venha o Pierrot de zangado persegui-la pelos campos. E a andorinha perdia-se nos montes, mas, porque ele se queda, de novo volta em zig-zags travessos e chilreios de troça. E chilreia de troça, muito alto, por cima d'elle. Pierrot já se adormecia, e a andorinha em descida que faz calafrios pousou-lhe no peito duas ginjas bicadas, e fugiu de novo.

De contente, ergueu-se sorrindo e de joelhos, braços erguidos, seus olhos foram tão longe, tão longe como a
andorinha fugida nos montes.

De repente viu-se cego - os dedos finíssimos da Colombina brincavam com elle. Desceu-lhe os dedos aos lábios e trocou com beijos o aroma das palmas perfumadas. Depois dependurou-lhe de cada orelha uma ginja, á laia de brincos com jóias de carmim. Rolaram-se na relva e uniram as boca, e já se esqueciam de que as tinham juntas...

- Sabes? Uma
andorinha...

E foram de enfiada as graças da ave toda paixão.
Pierrot contava entusiasmado, olhando os montes ainda em busca da andorinha, e Colombina torceu o corpo numa dor calada e tomou-lhe as mãos.

Havia na relva uma
máscara branca de dor, e a lua tinha nos olhos claros um olhar triste que dizia: Morreu Colombina!



Almada Negreiros,

in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'


Um comentário:

Ana Glaucia disse...

"Havia na relva, uma máscara branca de dor...", que maravilha, este artista. Quanto sentimento! Como não sou poeta, não consigo expressar a beleza destes textos.
Parabéns!!!!!!!!!!!!!!!!