Bruno Torfs










SETE CORES DE UMA PROMESSA



Alguém deve saber o que é a autêntica solidão. Não ter uma voz, um ouvido de empréstimo. Desabafar: o que necessita ser dito. Ouvir: o que precisa se evacuar. Para não explodir, nem sucumbir ao vazio absoluto, não vazar solidão pelos poros. Alguém deve viver numa profunda solidão. Ser tocado por engano, quando, pelo cobrador de ônibus é atingido sem intenção, encostando levemente os dedos na pele carente, criando um prazeroso atrito; ou quando de súbito sofre-se de algum profundo mal-estar e precisa-se com urgência ser socorrido, e assim novamente ser tocado: migalhas de toque. É um conforma-se pela aproximação fria, indiferente, alheia à vontade íntima. Deleitar-se do contato estranho para saciar a ânsia. Depois, escondido, deixar lavar a face, calmamente, com um choro legítimo de vergonha, límpido, como se estivesse batizando o rosto pecador.

Todos esses fracos homens, bebendo seus cafezinhos, falando o quanto a vida é incrível, compartilhando silencio e cigarros, ah, são os mesmos homens que ao chegar à suas casas, lembram das horas que compartilharam vazios e silêncio. Sendo tudo que tinham, um breve instante deveria eternizasse; para depois não sentir o vácuo que de maneira inevitável os perseguirão. O remorso nunca deveria chegar, mais chega logo depois, aproximando-se como que não quer nada; e querendo tudo, toda integridade. Busca-se novamente uma forma de escapismo, uma fuga, um desesperado subterfúgio. Então, neste momento não há lugar para arrependimento, o vazio dar lugar a outro vago, disfarçado de prazer, o prazer de levar à mão entre as pernas e forçar um deleite subjetivo. Experimentando na lucidez, a crua sensação de estar reduzido na excitação imaginativa: olhos fechados, visualizando o foco da alacridade: uma mulher com formas convidativas, ou um homem de aparência varonil e imponente. Nesta espécie de gozo, não há limitação do corpo, desfruta-se de tudo, de todos os gostos, de todos os contornos, texturas, dos seletos orifícios, dos dilatados toques e das variadas temperaturas.

É homem. É mulher. Humanos vivendo indiscutivelmente de intenções. Gente obstinada, sobrevivendo de suas misérias. Ai meu Deus, e eu que não sei me comportar diante da miséria alheia. Eu que tento forjar no rosto um sorriso sem graça, para não ferir a humildade que não é minha, que a mim não pertence, não cabe, comovo-me. Comovo-me, porém não aceito esta situação de extrema aceitação. Agora, esta claridade solar que vaza pelas frestas dos tijolos trincados, dos amontoados de tijolos queimados passando-se por paredes de proteção... Pelas frestas da minha fraqueza, aproxima-me de todas minhas misérias humanas. Agora, talvez só agora, essa gota de chuva que cai do teto, umedecendo o chão seco, escorrendo para o nada... Para a coisa nula. Esta lâmpada fraca, suspensa em fios elétricos. Essa luz infértil, que não me aquece, e essas cores tímidas. Ai meu Deus, estou submerso por espelhos, e tudo reflete o que sou forçando-me a assumir esta miséria que se apresenta ante a mim. E os sons? Não há som. É uma carência de tudo, e é também a ausência do nada. O nada me supriria, o nada me bastaria.

Translúcida, mais uma gotinha cai do teto, escorre pelos fios elétricos e estanca na lâmpada iluminada. Umedece a alma sedenta de vitalidade humana. Ela jamais precisará de um corpo penitenciado, maculado pela vida diária, só a alma sobrevive, sem fome. Esta fome que não tem lugar, nem espaço, que preenche o nada, o oco da inexistência. Inexistência, persistida da fome dolorida, tão dolorida por não existir, na vontade de continuar a doer, torturar. A gota de água atravessada por luz. Luz quente criando sete cores, sete cores de vida. Sete cores formando um arco suspenso no ar, de uma parede à outra. No fim do arco de luz: um tesouro. O tesouro inalcançável... Apenas a promessa de um tesouro, tão estimado, tão abastado, meramente por ser uma promessa. Apenas a promessa salva. Ela que preenche a inexistência, anula o remorso, o vazio.

Assim seguimos, assim sobrevivo... Da promessa das sete cores, do arco de luz, que nada mais é do que o juramento de vida. O arco-íris de esperança. E aquilo que antes pensei ser uma pálida cor, era vívidas e fortes corzinhas, timidamente fechadas em si.



Sindri Nathanael


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